Trecho dos Comentários, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
Comentários
[1]
O princípio desta obra contém na parte histórica muitos erros, nascidos de escrever o autor só talvez por tradição, tantos
anos depois dos sucessos que narra. A costa do Brasil foi avistada por Cabral aos 22 de abril, e não aos 24. A missa de posse teve lugar no dia 1°
de maio, e a 3 já a frota ia pelo mar afora. Coelho voltou à Europa logo depois, e não quando já reinava d. João III, o que equivalia a dizer uns
vinte anos mais tarde. Cristóvão Jacques foi mandado por este último rei como capitão-mor da costa, mas não foi o descobridor da Bahia, que estava
ela descoberta mais de vinte anos antes. Pero Lopes passou a primeira vez ao Brasil com seu irmão Martim Afonso em 1530 e, por conseguinte, depois
de Jacques, a respeito de quem se pode consultar a memória que escrevemos, intitulada As primeiras negociações diplomáticas respectivas ao Brasil.
[2]
O texto da Academia de Lisboa nomeia erradamente Clemente VII como autor da bula em favor dos reis católicos, o que deve ter procedido de nota
marginal, de algum ignorante possuidor de códice, que o copista aproveitasse.
[3]
Acerca das informações que dá o autor dos terrenos ao Norte do Amazonas, cumpre advertir que essa parte da costa era então pouco freqüentada pelos
nossos; e, portanto, neste capítulo, como no que diz respeito à doutrina do 1°, o nosso Autor não pode servir para nada de autoridade.
[4]
O descobrimento do Amazonas por Orellana foi em 1541; a sua vinda da Espanha em meados de 1545; e a expedição de Luís de Melo por 1554. A ida deste
cavalheiro à Índia, em 1557, e seu naufrágio, em 1573. — Consulte-se Diogo de Couto, Década 7ª, livro 5°, cap. 2°, e Década 9ª, cap.
27; e Antônio Pinto Pereira, parte 2ª, p. 7 e 58.
[5]
A vista da posição em que se indicam os baixos, deduz-se que o A. se refere à baia de São José; e, portanto, a ilha em que naufragou Aires da Cunha
deve ser a de Santa Ana, que terá a extensão que lhe dá Soares, quando a do Medo ou do Boqueirão não tem uma légua. Macaréu é o termo
verdadeiramente português para o que nós chamamos, como na língua dos indígenas, pororoca. É o fenômeno chamado Hyger e Bore no
Severn e Parret. Na Fiança também o tem a Gironda, com o nome cremos que de Mascaret. A do Amazonas é descrita por Condamine, e também nos
Jornais de Coimbra nºs. 30 e 87.
[6]
Este Rio Grande é o atual Parnaíba.
[7]
O Monte de Li, talvez assim chamado porque se parecia ao de igual nome na Ásia, será o de Aracati. Os atlas de Lázaro Luís e Fernão Vaz Dourado e
outros antigos manuscritos trazem aquele nome.
[8]
Este nome de Cabo Corso, aqui repetido, vem em muitas cartas antigas e modernas; o que se não dá a respeito do outro do capítulo 3.
[9]
Neste capítulo se contém a história do castelhano feito botocudo, que se embarcou para a França, e deu talvez origem a
unir-se este fato ao nome de Diogo Álvares, o Caramuru. Veja a nossa dissertação sobre o assunto, que o Instituto se dignou premiar.
[10]
É hoje sabido, pelos documentos que encontramos na Torre do Tombo, como esta capitania de Barros era mista, sendo ele
donatário ao mesmo tempo que Fernão Álvares de Andrade e Aires da Cunha de 225 léguas de costa, e não de cinqüenta separadas só para ele. A
expedição teve lugar por outubro de 1535.
[11]
Baer, vulgarmente chamado Barleus, chama à baía da Traição de Tebiracajutiba, o que corresponde talvez ao nosso Acajutibiro, que Cazal
leu (tomo 1°, p. 197) Acejutibiró.
[12]
A respeito da colonização da Paraíba deve-se consultar a obra especial mandada escrever pelo pe. Cristóvão de Gouveia; dela temos por autor o pe.
Jerônimo Machado.
[13]
Pitagoares, diz aqui o nosso autor. Outros escrevem Pitaguaras, o que quereria dizer que estes índios se sustentavam de camarões.
Tabajaras significa os habitantes das aldeias, e era o nome que se dava a todos os indígenas que viviam aldeados.
[14]
Aramama deve ser o mesmo Rio Guiramame mencionado na Razão do Estado do Brasil, obra citada por
Morais no Dicionário, e que hoje temos certeza de haver sido escrita pelo próprio governador d. Diogo de Menezes. Abionabiajá há de
ser a Lagoa Aviyajà citada na conhecida Jornada do Maranhão.
[15]
Rio de Igaraçu ou de Igara-uçu quer dizer Rio da Canoa Grande ou Rio da Nau. Este nome denuncia que o sítio era freqüentado por navios
europeus.
[16]
A doação de Duarte Coelho era de 60 léguas de costa, e não de 50.
[17]
Ponta de Pero Cavarim. P. Lopes (Diário, p. 11) disse: Percauri. Pimentel escreveu (p. 215) Pero Cabarigo; a mesma
ortografia seguiu Antônio Mariz Carneiro. O nome era naturalmente de objeto indígena, e degenerou em outro que se poderia crer de algum piloto
europeu.
[18]
As notas que o texto acadêmico admitiu a este capítulo que trata do litoral da atual província de Alagoas, são
evidentemente estranhas a ele, pois uma até refere um fato de 1632. — Aqui as daremos corretas, para evitar ao leitor o trabalho de as ir ler onde
estão: "Neste Rio Formoso, por ele acima quatro léguas, está o
lugar de Serinhaém. Foi sondá-lo Andrés Marim, tenente de artilharia, com pilotos, o ano de 1632. A melhor entrada da barra é pela banda do Sul,
pela qual entra por sete, seis braças, e pela banda do Norte entra por cinco e quatro; e não se há de entrar pelo meio, porque tem de fundo braça e
meia. O porto está da banda do Sul.
"Tamanduaré é uma enseada oito léguas ao Sul do Cabo de
Santo Agostinho, e uma légua ao Sul do Rio Formoso, e duas ao Norte do Rio Una; desemboca nela o Rio das ilhotas ou Mambucaba; está cercada da banda
do mar com arrecifes, e uma barra de sete braças de fundo na boca, em baixamar de águas vivas; e logo mais dentro seis, na maior parte dela cinco, e
bem junto à terra quatro; tem bom fundo; cabem nesta enseada cem navios e mais."
[19]
A serra da Aquetiba será talvez a que hoje se diz da Tiúba.
[20]
São curiosas as informações que Soares, só por noções dos indígenas, nos transmite dos gentios de além do Rio de São Francisco que se ataviavam com
jóias de ouro. Trata-se dos habitantes do Peru.
[21]
A correção da palavra indígena — manhana — para significar "espia" se colige do Dicionário Brasílico, que na palavra "vigia" traz o
significado manhane.
[22]
Do nome "Rio do Pereira" se faz menção no famoso Atlas de Vaz Dourado, do qual existe na biblioteca pública de Madri um exemplar mais
aprimorado ainda do que o que se guarda com tanto recato no arquivo chamado da Torre do Tombo de Lisboa. O nome de Torre do Tombo, para que
de uma vez satisfaçamos em assunto sobre que algumas pessoas nos têm por vezes pedido informações, veio de que o tombo e arquivos da coroa
portuguesa se guardavam antigamente em uma torre do Castelo de Lisboa (onde estavam também os paços de Alcáçova), e por isso os papéis se diziam
guardados na Torre do Tombo. O terremoto de 1755 destruiu a tal Torre, e o arquivo passou para as abóbadas do (hoje extinto) mosteiro de São
Bento, onde ainda está com o antigo nome, pelo hábito.
[23]
No lugar onde se lê: "Até onde chega o salgado", expressão esta mui freqüente no nosso autor para designar o mar, diz o
texto acadêmico, quanto a nós menos corretamente, a salgada.
[24]
O Rio Itapocuru diz-se hoje Tapicuru. Veja Táb. Perpét.
Astron. p. 217; Paganino, p.
21; Mapa de José Teixeira (de 1764) etc. Parece ter sido o que nos mapas de Ruysch
(1508), de Lázaro Luiz e Vaz Dourado se chamou de São Jerônimo.
[25]
O texto da academia não mencionava o nome Real onde, na linha 8ª, se diz: "Porque toda esta costa do Rio Real" etc.
[26]
Jacoípe se lê nos códices que vimos; temos porém por melhor ortografia o escrever Jacuípe, com a Corografia Brasílica, porque o
nome quer dizer o esteiro ou igarapé do jacu.
[27]
Pimentel, Paganino e as Tábuas Perpétuas Astronômicas escreveram Tapoã; Mariz Carneiro, Tapoam; mais conforme à etimologia,
porém, fora dizer-se e escrever-se Itapuã: ita, pedra, puã, redonda.
[28]
No final deste capítulo 28 se encontra a notícia que melhor se desenvolve no cap. 2° da 2ª parte (com.
76), acerca do fato que deu lugar a ser Diogo Álvares apelidado de Caramuru. Consulte-se a dissertação que citamos (com.
9), impressa no tomo 3° da 2ª série da Revista do Instituto, p. 129.
[29]
Boipeba, como escreve Soares, é nome mais correto do que o de Boipeda, usado por Pimentel, e seguido nos roteiros ingleses.
Boi-peba significa cobra achatada.
[30]
Confirmamos não haver alteração na palavra Amemoão ao lermos Memoam na viagem de Luiz Thomaz de Navarro (1808) e Mamoam no mapa
de Baltazar da Silva Lisboa.
[31]
Deixamos o nome Romeiro aportuguesado, por assim o acharmos nos melhores códices; mas o homem chamava-se Romero, que é ainda hoje nome
de famílias castelhanas.
[32]
Os aimorés são talvez os puris de hoje, raça esta que, pelas palavras que se conhecem de sua língua, ainda
não podemos classificar entre as desta América Antárctica. — Os antigos pronunciavam às vezes gaimurés, e quando faltavam com o acento na
última sílaba, o nome se apresentava como muito diferente do que é, lendo-se gaimures.
[33]
Patipe quer dizer "esteiro do coqueiro" (paty). Assim, melhor se escreverá, como faz Cazal (tomo 2.°, p. 101), patype. O
amanuense do exemplar que serviu à edição anterior escreveu na última sílaba um f em vez de p. Cremos piamente que sem má intenção arranjou a
palavra que daí resultou.
[34]
Sernambitibi ou Sernambitiba, segundo a etimologia, é o verdadeiro nome do Rio que de tantos modos se tem escrito, segundo dissemos
nas Reflexões criticas (n° 26, p. 22). Cazal (ou o escrito que o guiou) chegou a adulterar este nome, não só em Simão de Tyba (II, p.
71), como logo depois (II, p. 78) em João de Tyba! Estas e outras hão de chegar a convencer os nossos governos de que o conhecimento de um
pouco da língua indígena é para nós pelo menos tão importante, para não escrevermos disparates, como o de um pouco de grego e latim. A língua
guarani já está reduzida à escrita, e salva de perecer de todo, graças sobretudo ao Tesouro e à Arte e Vocabulário de Montoya. E se
não tratarmos de reimprimir estes livros e de os estudar, um dia os vindouros o farão, e nos chamarão a juízo por muitos erros em que houvermos
caído por nossa ignorância; e porventura por um pouco de filáucia em termos por línguas sábias e aristocráticas unicamente o grego e o latim.
Veja-se a nossa dissertação "Sobre a necessidade do estudo e ensino das línguas indígenas" no tomo 3º da Revista, p. 53.
[35]
Novo exemplo dos inconvenientes de ignorar inteiramente a língua indígena nos dá o nome de um rio do fim deste capítulo 35, que foi interpretado
Insuacoma, em vez de Juhuacema, que Luiz Thomaz Navarro escreveu Juassema. O príncipe Maximiliano de Neuwied, em sua Viagem
(tomo 1°, p. 295), diz Jaússema; e o dr. Pontes, na sua carta geográfica pôs Juacein. Juacê quer dizer sede e eyme, sem;
de modo que o nome do rio significa talvez "rio que não tem sede", nome que está muito no gosto dos que davam os indígenas, que no sertão chamam a
outro — o Igareí, Rio da Sede, ou sem água.
[36]
Deste capitulo aproveitou Cazal no tomo 2°, p. 70 e 72. A mulher do donatário chamava-se Inês Fernandes e seu filho Fernão do Campo.
[37]
Por Jucuru se nomeia o rio que no mapa 3° da Razão do Estado se diz Jocoruco, e numa grande carta do Depósito Hidrográfico
de Madri, Jucurucu.
[38]
Maruipe é, quanto a nós, um erro que se repetiu nos códices. Deve-se ler Mocuripe com Pimentel (p. 239) e com Laet, numa das cartas do
Novus Orbis, impresso em 1633. Laet, nesta obra, que depois se publicou em francês, consultou sobre o Brasil os escritos do paulista Manuel
de Morais. Esta edição latina foi a 3ª, sendo as primeiras, holandesas, 1625 e 1630, de Leyden
[*].
O rio mencionado diz-se hoje Mucuri; e Neuwied (I, 236) escreveu Mucury.
[*]
Joannes de Laet, importante diretor da Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais e erudito escritor, compôs duas
obras ligadas ao domínio holandês nas Américas: a primeira é a que se refere Varnhagen com o título abreviado de Novus Orbis (O Novo Mundo),
da qual os livros XV e XVI são consagrados à descrição do Brasil. A segunda trata das principais ocorrências verificadas desde a fundação daquela
empresa (1621) até o fim do ano de 1636. Desta foi feita, em 1874, tradução para o português dos quatro primeiros livros, pelo bacharel José Higino
Duarte Pereira, e publicada em Pernambuco, pela Tipografia do Jornal de Recife, sob a epígrafe de História ou Anais dos feitos da Companhia
Privilegiada das Índias Ocidentais desde o seu começo até o fim do ano de 1636 (apud Alfredo de Carvalho - Biblioteca Exótico-Brasileira,
vol. III, Rio de Janeiro, 1930). Ampliou esta tradução a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, mediante a colaboração do dr. Pedro Souto Maior,
estampando os nove livros restantes, antecedidos dos já publicados, sucessivamente, em seus Anais (vols. 30 [1908]-1912, págs. 1 a
165; 33 [1911]-1915, págs. 1 a 114; 38 [1916]-1920, págs. 197 a 347; 41-42 [1919-20]-1925, págs. 1 a 222). (Nota de Edgard de
Cerqueira Falcão).
[39]
Tupiniquim ou Tupin-iki quer dizer simplesmente o tupi do lado ou vizinho lateral; tupinaé significa tupi mau.
[40]
Este capítulo 40 foi o que Vasconcelos transcreveu quase na íntegra nas suas Noticias (51 a 55), e que nos serviu para confirmar que ele
tivera conhecimento da obra de Soares. Aceci há de ser o Guasisi da Razão do Estado, Aceci de Brito Freire.
[41]
A doação da Ilha a Duarte de Lemos teve lugar em Lisboa, aos 20 de agosto de 1540, pelos serviços que o mesmo Lemos prestara ao donatário, na defesa
da capitania. A confirmação régia é datada de Almeirim aos 8 de janeiro de 1549 (Chanc. de d. João III, fl. 108v).
[42]
Neste capítulo, faltam ao texto acadêmico umas cinco linhas, aliás importantes, que no nosso se encontram no fim do segundo parágrafo e princípio do
terceiro. [N.E.: fim do quinto parágrafo e princípio do sexto,
nesta edição digital]
[43]
Deve-se ler acentuando Goaraparí, que Vasconcelos na Vida de Anchieta (p. 338) escreve Goaraparim, e a Razão do Estado,
Goaraparig. O texto acadêmico dizia Goarapira. Leritibe é adulteração de Leritiba, que em guarani significa "a
ostreira".
[44]
Tivemos ocasião de consultar e de conservar em nossas mãos uma carta autografa de Pero de Góis para Martim Ferreira, de quem se faz menção neste
capítulo 44; e por ela conhecemos que é de letra sua o texto do códice do Diário de Pero Lopes existente na Ajuda, que demos à luz; e isso se
confirma com o asseverar aqui Soares que Góis acompanhara sempre o mesmo Pero Lopes, e com ele se perdera no Rio da Prata, isto é, na ilha de
Gorriti do porto de Montevidéu, segundo sabemos, As emendas feitas nas primeiras páginas do dito texto do Diário são de letra de Martim
Afonso, que hoje distinguimos perfeitamente. Fiquem estas advertências aqui consignadas, enquanto não temos para elas melhor lugar.
[45]
O texto da Academia diz Tapanases, em vez de Papanases. Este nome ou alcunha derivou, quanto a nós, da Zygaena, chamada pelos
indígenas papaná, e pelos nossos antigos de "peixe-martelo".
[46]
Ainda que o autor, no capítulo precedente, havia dito que o gentio goitacá tem a linguagem diferente dos seus vizinhos tupiniquins, não podemos
entender essa afirmativa muito em absoluto, à vista do que assevera agora — de que os papanases se fazem entender do mesmo gentio goitacá e do
tupiniquim. Isto vai conforme com a idéia sabida de que os invasores que dominavam o Brasil na época da colonização eram geralmente da mesma raça,
havendo que excetuar os aimorés, que depois apareceram acossados talvez do Oeste. Remetemos a tal respeito o leitor para o que dizemos num escrito
impresso no tomo 5.° da 2ª série da Revista do Instituto, p. 373 e seguintes.
[47]
O texto da Academia dá 22°3/4 ou 22°45'S, à latitude da ilha de Santa, que em outros códigos achamos 22 1/3 ou 22°20', o que mais se aproxima da de
22°25'S, que hoje se lhe calcula.
[48]
O Cabo Frio jaz, segundo Roussin, em 23°1'18"S, e, segundo Livingston (1824), em 23°1'2"S, do que não se estava longe no
tempo do nosso autor, que o arruma em 23°.
[49]
Saquarema se diz hoje, e não Sacorema.
[50]
Conservamos a palavra Viragalhão, dos códices, pois seria adulterá-los o substituí-la pela mais correta Villegagnon, que aliás é menos
eufônica para nós. O ilhéu de Jeribatuba, que quer dizer "do coqueiral" (de jeribás), é o que hoje se diz Ilha dos Coqueiros.
[51]
Por este capítulo se confirma que a primeira fundação de uma colônia nesta baía [do Rio] de Janeiro teve lugar na Praia Vermelha; e que o saco do
Botafogo se chamava de Francisco Velho, por pertencerem essas terras ao talvez tronco primitivo da família Velho, no Brasil. As palavras — que
se chama da Carioca — não se lêem no texto da Academia, mas sim, no importante códice mais antigo de Évora, e em outros.
[52]
Porto de Martim Afonso era o esteiro que vai ter ao Aterrado. Chamou-se daquele nome, não, quanto a nós, por via do célebre capitão de igual nome,
mas sim, da aldeia do principal Araribóia, que no batismo se chamou Martim Afonso. A descrição da enseada desta nossa baía não pode estar mais
exata. Os nomes Unhaúma, Sucurui, Baxindiba e Macucu são hoje quase os mesmos. A Ilha da Madeira é a das Cobras.
[53]
Mem de Sá foi nomeado por provisão de 23 de julho de 1556. Partiu da Bahia para a conquista do forte de Villegagnon em 16 de janeiro de 1560. Chegou
ao Rio a 21 de fevereiro; rendeu o inimigo a 15 de março.
[54]
Salvador Correia governou tanto tempo o Rio de Janeiro que a sua ilha se ficou chamando até hoje do Governador. Antes tinha-se denominado
Parnapicu, do Gato, dos Maracaiás e dos Engenhos.
[55]
Apesar de todas as diligências, até hoje ainda não nos foi possível encontrar o manuscrito de Antônio Salema sobre a Conquista do Cabo Frio.
[56]
Do texto da Academia consta que Salvador Correia foi nomeado governador por provisão de 10 de setembro de 1557. Isto parece verdade, mas não cremos
que fosse escrito por Gabriel Soares, se não erudição de algum copista. Nos melhores códices não se encontra essa cláusula.
[57]
O primeiro sesmeiro da Ilha Grande foi o Dr. Vicente da Fonseca, por carta de 24 de janeiro de 1569. À Ilha de São Sebastião chamavam os indígenas,
segundo Hans Staden, Meyembipe; e a dos Alcatrazes, Uraritan. O morro e ponta de Caruçu chama-se vulgarmente de Cairuçu
e já assim escreveram Vasconcelos (p. 286) e frei Gaspar da Madre de Deus (p. 17).
[58]
Tamoio quer dizer "avô", "ascendente", "antepassado". Era o nome com que os indígenas de S. Vicente designavam os desta província fluminense,
o que comprova as nossas fortes conjecturas de que a emigração tupi marchou do Norte para o Sul. Os tamoios chamavam-se a si tupinambás,
segundo Staden; e aos vizinhos do Sul apelidavam os temiminós, isto é, seus netos ou descendentes.
[59]
A ilha da barra do porto de S. Vicente, que Soares diz parecer moela de galinha, chama-se ainda hoje da Moela. Os Esquertes [Schertz]
de Flandres eram uma família flamenga que se estabeleceu em São Vicente. Um dos indivíduos chamava-se
Erasmo Esquert, segundo Pedro Taques.
[60]
Martim Afonso recebeu cem léguas da costa por doação, e não cinqüenta; e ainda assim a sua capitania saiu uma das mais pequenas, em braças
quadradas. Esse grande capitão não voltou a São Vicente, depois de ser donatário; mandou, sim, providências, lugar-tenentes etc.
[61]
Tampouco nos consta que Pero Lopes voltasse mais ao Brasil depois de ser aqui donatário, e temos quase certeza que não.
[62]
É sem verdade que Soares afirma que não havia noutro tempo formigas em São Paulo. Já Anchieta dá delas conta. E São Paulo é, desgraçadamente, terra
proverbial, quanto às tanajuras, às saúvas e às tocas de cupins.
[63]
Em vez de Guainá ou antes Guaianá, escreve Staden Wayganna.
[64]
Ilha Branca é talvez adulteração de Ilha do Abrigo, que é a mesma fronteira à ponta do padrão, de que no capítulo seguinte se trata.
[65]
O Cabo do Padrão chama-se hoje Ponta de Itaquaruçá. Segundo o exame que aí fizemos pessoalmente em janeiro de 1841, esse padrão ou padrões
(pois existem três iguais) foram aí postos por ordem de Martim Afonso, cuja armada (segundo P. Lopes) se demorou 44 dias no vizinho porto de
Cananéia. O leitor pode consultar o que ponderamos a tal respeito no tomo 5° da 2ª série da Revista do Instituto, p. 375.
[66]
A Baía das Seis Ilhas é naturalmente a enseada formada pelo Rio Itajaí.
[67]
O nome de Ilha de Santa Catarina foi dado pelos castelhanos da armada de Sebastião Caboto, em 1526. Antes, chamavam-lhe Ilha dos Patos, e já
lemos que os indígenas a denominavam Xerimirim.
[68]
Diz aqui Soares que a linguagem dos carijós é diferente da de seus vizinhos; mas isso não se deve entender muito restritamente, porquanto no
capítulo 63 assevera que com eles se entendem os guaianás.
[69]
O nome de porto de d. Rodrigo proveio de aí ter estado o infeliz d. Rodrigo da Cunha, que tão tristes episódios passou nesta costa.
[70]
Porto da Alagoa é o da Laguna. Não sabemos se a adulteração veio da pena do autor, ou se a causou algum copista que não quis admitir
em sua cópia aquelas palavras espanholadas.
[71]
Chama-se aqui Rio de Martim Afonso ao Mampituba; mas entenda-se que não foi neste rio, mas sim, no pequeno Chuí, que
aquele capitão naufragou, o que se deduz da leitura atenta do Diário de P. Lopes. À Lagoa dos Patos chamavam alguns antigos de Tibiquera,
ou "dos cemitérios", talvez em virtude de alguns dos indígenas que ainda hoje por ali se encontram, segundo nos assegura o sr. conselheiro Baptista
de Oliveira.
[72]
Nas últimas linhas deste capítulo 72 confirma Soares a geral opinião de que os indígenas de toda esta costa, ainda quando vivendo a grandes
distâncias uns dos outros, "são todos uns e têm quase uma vida e costumes". De expressões quase idênticas se serve o seu contemporâneo Pedro de
Magalhães Gandavo, o amigo de Camões.
[73]
Monte de Santo Ovídio é o conhecido cerro da Baía de Montevidéu, a que Pero Lopes quis infrutuosamente chamar de monte de São Pedro.
[74]
O texto da Academia arruma, com manifesto erro, o Cabo das Correntes em 36.° de latitude Sul; outros textos que seguimos dão 39°; mas cremos que
houve neste número, também engano, e que Soares poria com os pilotos do tempo o cabo em 38°.
[75]
O texto da Academia põe a saída de Tomé de Sousa de Lisboa a 1° de fevereiro, e não a 2, como os mais códices.
[76]
Volve Soares a ocupar-se do célebre Caramuru, a cujo assunto parece que dedicava certa predileção. As notícias são ainda mais minuciosas que as que
chamaram nossa atenção no com. 28.
[77]
O primeiro assento da povoação da cidade era próximo à barra, e, segundo a tradição, onde está hoje o bairro da Vitória.
[78]
Às sábias providências da metrópole em favor da colonização da Bahia, deveu talvez Portugal a conservação de todo o Brasil, segundo melhor
desenvolveremos em outro lugar.
[79]
No texto da Academia se dão mais as seguintes informações acerca do governador d. Duarte: "Fidalgo
muito ilustre, filho de d. Álvaro da Costa, embaixador del-rei d. Manuel [junto] ao imperador Carlos V".
Não as admitimos, por não se acharem nos melhores códices.
[80]
A explicação "de Porto Seguro até o cabo Santo Agostinho", com que se conclui o § 1.°, não se contém no texto acadêmico.
[81]
Ao lermos esta parte da descrição da cidade, quando aportamos na Bahia em princípios de maio deste ano, quase que
acompanhávamos o autor passo a passo, tanta verdade há em sua descrição.
[82]
Quase no fim do capítulo, em vez de "capelães da misericórdia ou dos engenhos", diz, incorretamente, o texto da Academia "capelães da
misericórdia ou dos enjeitados".
[83]
A respeito do colégio dos padres da Companhia na Bahia parece-nos que o leitor levará a bem que lhe demos aqui outra descrição, ainda quando não
seja senão para lhe fazer constar a existência de um curioso livrinho como é a obra do pe. Fernão Cardim, que imprimimos em 1847. Diz esse escritor,
em 1585: "Os padres têm aqui um colégio novo, quase acabado; é
uma quadra formosa, com boa capela, livraria e alguns treze cubículos, os mais deles têm a janela para o mar; o edifício é todo de pedra e cal
destra, que é tão boa como a pedra de Portugal, os cubículos são grandes, os portais de pedra, as portas de angelim forradas de cedro; das janelas
descobrimos grande parte da Bahia, e vimos os cardumes dos peixes e baleias andar saltando n'água, os navios estarem tão perto que quase ficam à
fala; a igreja é capaz, bem cheia de ricos ornamentos de damasco branco e roxo, veludo verde e carmesim, todos com tela de ouro, tem uma cruz e
turíbulo de prata etc." (...)
"A cerca é mui grande, bate o mar nela, por dentro se vão os padres embarcar, têm uma fonte perene de boa água com seu tanque, aonde vão se recrear;
está cheia de árvores de espinhos etc." (...)
[84]
Corrigimos hortas onde no fim do capítulo dizia outras o texto acadêmico; e, também, segundo a lição dos melhores códices, vinte
religiosos, em vez de doze.
[85]
Também aqui seguimos os melhores códices, escrevendo duas vezes Sua Majestade, e não Sua Alteza.
[86]
Este capítulo foi bastante retocado à vista das cópias mais dignas de fé, como o leitor pode deduzir pela confrontação. A observação de Soares de
melhorarem de sabor e aroma os vinhos fortes que passam a linha é hoje tão admitida como é verdade que da Europa se mandam vinhos a viajar através
da zona tórrida, só para os beneficiar.
[87]
Na antepenúltima linha do 1.° § do capítulo 13 dizia erradamente o primitivo texto "por civilidade", em vez de "possibilidade", como
escrevemos.
[88]
Chamamos a atenção do leitor sobre a relação de 1:2:3 entre as classes dos defensores da Bahia em 1587, a saber: dois mil colonos europeus, quatro
mil africanos, e seis mil índios civilizados.
[89]
O nosso autor, que tanto entusiasmo e predileção mostra pelo Brasil, não contente com o haver dito no proêmio que este Estado era "capaz para se
edificar nele um grande império", repete esta sua aspiração à nossa independência e nacionalidade, dizendo neste capítulo que já d. João III, com
mais alguns anos de vida, poderá ter aqui edificado "um dos mais notáveis reinos do mundo". É sabida a anedota referida pelo autor dos Diálogos
das Grandezas do Brasil (obra escrita no século seiscentos) da profecia do astrólogo que, ao chegar a Lisboa a nova do descobrimento da terra de
Vera Cruz, vaticinou que havia ela de ser abrigo e amparo da metrópole. Depois da aclamação de d. João IV tratou a Espanha de lhe ceder o Brasil, e
tornar a reunir a si Portugal, o que se teria realizado se a França não se metesse de permeio. O marquês de Pombal ideou trazer ao Pará a sede da
monarquia; depois dele, o poeta Alvarenga convocava para o Brasil a rainha Maria I (Florilégio da poesia brasileira, tomo 2°, p. 370) e o
alferes Lisboa (em 1804) desejava que em Minas o príncipe d. Pedro fosse estabelecer seu império (Florilégio, p. 574). Estes fatos são, pelo
menos, curiosos.
[90]
Na doação da ilha de Taparica, ou Itaparica, como agora se diz, se compreendia a de Tamarantiba. Receberam ambas foral em 1556.
[91]
Onde se diz "da parte do Padrão" parece-nos que houve salto de uma palavra e se deve entender "da parte da Ponta do Padrão".
[92]
A Ilha de Maré, de que se faz aqui menção, é a mesma que inspirou o poeta baiano Manuel Botelho de Oliveira, que tão belamente a descreveu em sua
Musa do Parnaso (Lisboa, 1705, p. 127). Essa bonita composição foi reproduzida na Florilégio, tomo 1°, p. 134.
[93]
O texto da Academia contém, depois da palavra "Pirajá", do 3° § deste capítulo, as seguintes linhas, que não encontramos nos melhores códices, e
devemos julgar introduzidas por curiosos: "Esta enseada tem na barra de fundo duas
braças de preamar; cabem até 80 navios de força, os quais entram descarregados e hão de sair na mesma forma. Tem na boca duas fortificações, uma
maior de uma banda, e outra mais pequena de outra".
[94]
O texto a que nos temos referido trazia "Alteza" onde outra vez admitimos "Majestade".
[95]
Diz o mesmo texto "Ponta do Toque", em vez de P. do Toque-Toque, como sabemos que se chama.
[96]
Aratu lemos num dos códices, e admitimos a lição, ao saber que havia por ali um engenho com tal nome; o que se não dá, segundo nos asseveram
vários baianos entendidos com o nome Utum do texto acadêmico. Otuim e Utuim se lê, porém em alguns manuscritos. No texto
mencionado lê-se também Curnuibão em vez de Carnaibuçu ou Carnaybuçu, como lemos em J. de Coimbra, n.° 86, p. 67. No mesmo
texto se lê, ainda erradamente, Sacarecanga e Pitanga em vez de Jacarecanga e Petinga.
[97]
A palavra Tayaçupina, a que pusemos um ponto de interrogação, não nos foi possível decifrar adequadamente.
[98]
Caípe ou Cahipe quer dizer "o esteiro do mato". Tratando do engenho de Antônio da Costa, lê-se no texto da
Academia, depois da frase "que está mui bem acabado", as seguintes palavras, evidentemente anacrônicas para o livro de Soares: "Que
depois foi de Estêvão de Brito Freire, que Deus perdoe, e fez outro engenho por nome São Tiago, bem no fim de Pernamerim, para a banda da freguesia
Tamarari de água das melhores que hoje no Brasil há". De Itapitanga volve o autor a
ocupar-se no cap. 187.
[99]
Notam-se grandes variantes entre o nosso texto e o da Academia. Além de linhas que lá faltam, leram-se errados os bem
conhecidos nomes de Paraguaçu, Acu, Cajaíba e Tamarari. Farreirey foi erro que escapou ainda no nosso texto: leia-se
Tareiry [Traripe].
[100]
No mesmo texto acadêmico lê-se Antônio Penella e Rodrigo Muniz, em vez de Antônio Peneda e Rodrigues Martins, como
encontramos nos códices mais dignos de crédito.
[101]
Aqui temos um novo Rio de Igaraçu, o que prova que habitualmente ali chegavam, como fica dito (com.
15), as naus dos europeus.
[102]
Pujuca é o nome que dá o nosso texto à ribeira que, entre outros, o da Academia escreveu Puinqua.
[103]
O Rio Irajuí é o que hoje se diz Pirajuía. No texto da Academia encontram-se Irayaha, o que procedeu naturalmente de má leitura
do copista.
[104]
Jiquiriçá é o nome que hoje se dá ao rio que Soares designa por Juquirijape.
[105]
Conclui Soares com a sua minuciosa descrição de todos os recôncavos da Bahia, cuja extensão, sem meter os rios de água doce, avalia em 53 léguas; e
nessa extensão conta 39 ilhas, além de 16 do interior dos rios. A topografia do Recôncavo ainda até hoje não teve melhor, nem mais exato aluno.
[106]
São curiosas as notas estatísticas da Bahia (em 1587), e permita-se que as recapitulemos: 36 engenhos, que exportavam anualmente para cima de 120
mil arrobas de açúcar; 62 igrejas, entrando 16 freguesias, 3 mosteiros, e 1.400 barcos de remo.
[107]
Algumas variações encontrará o leitor no nosso texto, graças à confrontação de tantos códices: as primeiras éguas valiam a 60$ rs. e ficaram depois
a 12$; e não eram a 100 e ficaram a 20$; os cavalos que por negócio se levavam embarcados a Pernambuco eram lá pagos a 200 e 300 cruzados, e não a
20 e a 30, o que quase equivalia aos preços da Bahia etc.
[108]
No exemplar da Academia diz-se (p. 135), acerca das plantas de soca — "que são as
que rebentam e brotam das primeiras cortadas". Foi por certo explicação de algum
copista animado de excesso de zelo.
[109]
No último §, tratando-se dos inhames trazidos das ilhas da África, vem no texto da Academia, em vez daquele nome, o de taiobas, que é o nome
indígena, e não se encontra nos mais códices, mas sim, inhames.
[110]
Hortaliças que já se cultivaram na Bahia em tempo de Soares, e por este já apontadas no capítulo 36: Cucumis sativus — Cucurbita pepo — C.
citrullus — Sinapis nigra — Brassica napus — Raphanus sativus — Brassica oleracea crispa — B. o. murciana — Lactuca sativa — Coriandrum sativum —Anethum
graveolens — A. foeniculum — Apum petroselinum — Mentha sativa — Allium cepa — Allium sativum — Solanum melongena — Plantago —Mentha pulegium —
Sisymbrium nasturtium — Ocimum minimum — O. basilicum — Amaranthus blitum — Portulaca oleracea — Cichoneum endívia — Lipidum sativum — Daucus carota
— Beta vulgaris — Spinacea oleracea etc.
[111]
Não respondemos pela devida exatidão da ortografia dos nomes das espécies de mandioca apontadas no capítulo 37. No texto acadêmico vem
diferentemente, e Marcgraf e Vasconcelos trazem outras denominações. O mesmo faz José Rodrigues de Melo, que escreveu em verso latino o melhor
tratado que conhecemos acerca desta raiz alimentícia; este tratado em dois cantos foi "traduzido pelo sr. Santos Reis, e publicado na Bahia, com
outras composições análogas, em um tomo, com o adequado título de Geórgica Brasileira.
[112]
A tapioca de que Soares trata era preparada um pouco diferentemente do que hoje se usa no comércio. Este nome e o da mandioca são puros guaranis; e
foram ambos adotados pela Europa, como tantos outros nomes indígenas, segundo iremos vendo.
[113]
Não deixou Rodrigues de Melo de escrever com elegância acerca das propriedades venenosas do sumo da mandioca crua:
Fac procul hinc habeas armenta, omnemque volucrum
Atilium gentem, positos neque tangere succos
Permittas: namque illa quidem niveoque colore
Innataque trahit pecudes dulcedine captas
Potio: mortiferum tamen insidiosa venenum
Continet: et fibris ubi pestem hausere, furore
Huc illuc actae pecudes per prata feruntur,
Et gyros agitant crebos, etc.
[114]
A pronunciação tipeti ou, aportuguesadamente, tipitim, temo-la por mais conforme à dos indígenas do que a de tapeti, tapetim
etc. Moraes adotou aquela primeira; mas esta última parece-nos mais eufônica. Urupema (segundo o Dic. Bras., p. 27) era qualquer
crivo: a ortografia de Soares é a seguida por Moraes, Há, porém, quem escreva gurupema (Cunha Matos), garupemba (Mem. da Acad.
de Lisboa, tomo 7°), goropema (João Daniel, p. 5. p. 24), e oropema (Antonil, p. 117 da 1ª ed.).
[115]
Quae sueco nocuit radix, feret ipsa salutem.
Jam praelo domita elicitoque innoxia succo
diz Rodrigues de Melo a respeito da
carimã.
[116]
As palavras "algumas jornadas", no princípio do capítulo, faltam no texto acadêmico.
[117]
É curiosa a variedade de ortografia com que se tem escrito o nome que adotamos dos indígenas para a planta de raiz amilácea que Pohl denominou
Manihot Aypi, seguindo para esta denominação da espécie a ortografia de Lery (p. 135 da edição da Rochelle, de 1578), do Tesoro Guarani,
de Martinière (t. 1º, p. 120), que adotaram Denis e St. Hilaire; Vasconcelos também uma vez assim escreve (not. 140), bem que em geral seja nisso
irregular (v. livro 1°, not. 71, 73, 74). Soares com o seu contemporâneo Gandavo (fl. 16 da ed. 1576) parece ter preferido a mais aportuguesada de
aipim, seguida por Antonil (p. 69), por Vandelli, alferes Lisboa, Rebelo (p. 110) e os viajantes Spix e Martius (t. 2°, p. 526). Botelho de
Oliveira escreveu aypim (Floril., p. 142), e Cazal (I, 115) igualmente; Marcgraf aipii, e assim se lê no Coro das Musas
(t. 1°, p. 143), e nos dicionários portugueses, que também dão impim. O autor do Caramuru (C. 4°. est. 19) escreveu aipi.
Esperamos que o leitor nos desculpe a digressão que fizemos sobre essa palavra, acerca da qual desejávamos que se assentasse em uma ortografia.
Apesar da preferência que já a ciência deu a aypi, nós em linguagem preferiríamos, com os clássicos Gandavo e Soares, aipim.
[118]
No capítulo 44 descreve Soares várias Convólvulas, a Dioscorea sativa, o Caladium sagittifolium (Vent.)
e talvez o C. Poecile de Schott.
[119]
Ao Zea Mais L. se diz no texto que chamavam os índios ubatim; cremos que diria Soares abatim, pois
abaty e avaty encontramos em muitos autores.
[120]
Abbeville (fl. 229) refere que os indígenas do Maranhão chamavam às favas comandá, e o pe. Luiz Figueira na sua gramática da língua geral (p.
87 da 4ª ed.) dá o mesmo significado.
[121]
À conhecida planta leguminosa Arachis hypogoea L. chama Soares, à portuguesa, amendoí, como se proviesse de
amêndoa. O nome é degenerado do mandubi ou manduí indígena. Abbeville escreveu (fl. 226 v.) mandouy. Na Espanha chamam-lhe
avellanas (avelãs) americanas.
[122]
No capítulo 48 trata Soares das pimentas que dão várias solâneas capsicinas do Brasil, das quais não se esqueceu de tratar Fingerhuth na sua
monografia impressa em 1832. Cremos que o nosso autor menciona sucessivamente o Capsicum cerasiforme, cordiforme, baccatum,
longum e frutescens. Montoya (Arte y Vocab., p. 141) chama à pimenta quivi; o Dic. Bras., kyynha; Monteiro de
Carvalho, com Piso, quya. Juquiraí quer dizer "molho de sal", jukyra, sal (Dic. Bras., p. 70) e ay molho (idem,
p. 52). No códice da Bib. Portuense (1019/6) lê-se mais no fim deste capítulo o seguinte: "Há
outra casta de pimenta, a que chamam cuiemirim, por ser mais pequena que todas; da qual se usa como das demais e tem as mesmas qualidades,
cuja árvore é pequena. Há outra pimenta, a que chamam cuiepiá, que na feição é mais redonda e pequena da qual se usa como das mais e tem as
mesmas qualidades, cuja árvore não é grande. Há outra pimenta, a que chamam cuiepupuna, do tamanho de um gravanço muito redondo. Esta em
verde é muita preta e depois de madura faz-se vermelha, e queima a seis palmos, e dá fruta em todo o ano; todas estas pimentas são cheias por dentro
de umas sementes brancas da feição da semente de mastruços, que queima mais que a casca, e delas nascem as pimenteiras quando as semeiam. E já que
dissemos das pimentas que queimam, digamos agora das que o não fazem e que são muito doces, uma das quais se chama saropó, que é tamanha como
uma avelã, a qual como é madura se faz vermelha, e de toda a maneira é muito doce, cuja árvore é de cinco a seis palmos, e dá todo o ano novidade;
estas pimentas se fazem em conserva em açúcar. A outra casca, a que chamam ayo, que é da feição de uma bolota, e do seu tamanho, a qual se
faz vermelha como é madura, e sempre é muito doce, a qual se faz também em conserva em açúcar e se faz árvore grande, que em todo o ano dá fruto.
Não é bem que se faça pouca conta da pimenta do Brasil, porque é muito boa e não tem outro mal que queimar mais que a da Índia, e quem muito a tem
em costume folga mais com ela, e acha lhe mais gostoso que à da Índia, da qual por esse respeito se gasta pouca no Brasil, onde os franceses vão
buscar a natural da terra, porque da casca vermelha se aproveitam nas tintas da mesma cor, e se quando vão resgatar a essa costa acha-se muita dela,
estima-la-iam muito mais que o pau-brasil; e das sementes de dentro se aproveitam pisando-as bem e lançando por cima das pimentas da Índia, com o
que a refinam e abatem; ainda que se faz este benefício a esta pimenta, poderá entrar na Espanha muita soma, se Sua Majestade dera licença para
isso; de tal massa é esta terra da Bahia, que se lhe lançarem a semente do cravo o dará, como noz-moscada, que tem o sabor dela, e dá outras árvores
que dão canela; se for à terra quem a saiba beneficiar será como a de Ceilão, de que se dirá adiante".
[123]
Soares dá notícia de mais espécies de anacárdios do que as conhecidas dos naturalistas; mas no sertão vimos nós ainda uma espécie (talvez gênero)
mas cuja planta é rasteira. O caju oriental é descrito pelo conhecido botânico português Loureiro, na Flora Cochinchinensis (ed. 1790, II,
248; e Berlim, 1793, p. 304). À palavra catinga, no sentido de mato carrasquento ou charneca de moitas e matagais, é de origem indígena e
deriva de ca e tinga, mato brancacento. Catinga no sentido de "mau cheiro", se não derivou desta mesma acepção, deve ser voz
africana.
[124]
Deste capítulo parece deduzir-se que já antes da introdução no Brasil das bananas da África e da Ásia havia na terra pelo menos duas espécies de
pacobas: grandes e pequenas.
[125]
Mamão (Carica Papaya L.) não é fruta indígena do Brasil; porém outro tanto não sucede à papaiácea
jaracatiá a que nosso Veloso chamou (Flora Flum.) Carica dodecaphylla.
[126]
As árvores frutíferas indígenas com que se ocupa Soares no capítulo 52
[**]
estão hoje todas conhecidas e descritas pelos naturalistas. A mangaba é a Hancornia speciosa de Gomes; os araçás pertencem, bem
como as goiabas, ao gênero Psidium; o araticu é uma Anona; vem depois o abajeru (Abbeville, fol. 224, escreve
Ouagirou), que parece um Chrysobalanus; segue talvez a rosácea Rubus idaeus ou occidentalis (Veloso, v. est. 81 e 82);
notamos depois entre outras a Byrsonima Crisophylla, de Kuth; a Vitex taruma e Inga edulis de Martius; a Spondias
myrobalanus de Veloso (Flora Flum., IV, est. 185); a Moronobea esculenta de Arruda ou a Platonia excelsa de Martius, o
Caryocar pequi etc. Tudo isto, salvo engano.
[**]
Na presente edição deve-se atender à deslocação que por descuido tipográfico padeceram alguns períodos que devendo ir
neste capítulo depois do 1º § na página 182, passaram para as páginas 187, 188 e 189.
Estes períodos perfazem quase duas páginas e meia, desde "Os araçazeiros", inclusive, até "Cambucá", exclusivamente. Nestes comentários não demos
consideração a essa deslocação acidental. Veja a errata (Nota da edição de 1974).
[127]
O ambu, imbu, ombu ou umbu (que para todas as ortografias há autoridades) é a notável planta que o nosso Arruda (Discurso dos jardins)
denominou Spondias tuberosa.
[128]
Das frutas do sertão da Bahia que Soares reúne no cap. 54 há menos conhecimento. Trata-se de um Lecythis, segue-se talvez uma planta
rizobolácea, outra apocínea (talvez outro Cariocar), um Genipa e o conhecido oiti, de que Arruda fez o novo gênero Pleragina.
Cazal (II, 60) escreve goyty, Vasconcelos (II, 87), gutti, Abbeville ouity. Este capítulo necessita mais estudo.
[129]
Para melhor se identificar o leitor com a sinonímia das primeiras remetemo-lo ao exame da magnífica monografia desta família, do célebre Martius,
precedendo a ele, se for possível, o conhecimento prático das mesmas. Nas Reflexões criticas enganamo-nos a tal respeito em várias de nossas
conjecturas, feitas sem fundamento e só quase inspiradas, como em outros lugares da seção 4ª desse escrito, pelo desejo de acertar.
[130]
Bem conhecida é a passiflora maracujá-açu, com que se começa o capítulo das ervas frutíferas. Não nos acontece outro tanto com a planta de
que se trata depois, e que nos parece alguma solânea. Segue um cactus, com o nome indígena por nós conhecido, logo depois um
Astrocarium e termina o capítulo em duas plantas bem conhecidas: uma bromeliácea e um Piper, segundo cremos talvez o unghiculatum
de Ruiz e Pavon. No nosso texto se escrevem elas carautá e nhamby. Esta última palavra escreve Piso e a Farmacopéia Tubalense,
nhambi. Quanto àquela, Vasconcelos (II, not. 70) diz caragoatá; Antonil (p. 113), caravatá; Piso e Brotero, caraguatá;
Bluteau caragoatá e também caraoatá; frei Antônio do Rosário carauatá e Morais carahuatá; mas, hoje, mais geralmente, em
quase todas as nossas províncias, se adotou gravatá.
[131]
O ananás oferece exemplo de mais uma palavra indígena nossa que passou às línguas da Europa, e à linguagem das ciências, depois que Thunberg formou
o gênero Ananassa. Vamos registrando estes fatos para decidir se para nós a língua guarani é ou não digna, a par da grega, de ser cultivada
como língua sábia, necessária para dar esclarecimentos não só na etnografia e na botânica, como nos diferentes ramos da zoologia. Só na botânica,
além do mencionado gênero Ananassa, temos com nomes brasileiros os gêneros (não falando nas espécies) Andira, Apeiba,
Jacaranda, Icica e Inga.
[132]
A cabureíba está hoje designada como Miroxylon Cabriuva. Não sabemos qual espécie de copaífera é mais geral na Bahia, à qual se
referia Soares. As virtudes do seu óleo foram já em 1694 apregoadas pelo dr. João Ferreira da Rosa no tratado da Constituição Pestilencial de
Pernambuco, p. 51 a 56.
[133]
Embaíba (ou, segundo outras ortografias, embaúba, imbaíba, ambaíba e ambaíva) é a conhecida Cecropia,
árvore urticácea de cujas tolhas se alimenta a preguiça (animal, se entende). Quando às caraobas, os indígenas davam este nome a várias
plantas bignoniáceas, e não nos é fácil acertar quais delas são as duas de que se ocupa Soares, bem que imaginemos a primeira a da estampa 50 da
Flora de Veloso, e em tal caso a que Martins classificou com Cybistax antisyphilitica.
[134]
A árvore da almécega ou icica (ygcyca no Dic. Bras.) é do gênero que Aublet designou com o próprio nome guianense (e que também
é nosso) de icica. Corneíba é a Schinus aroeira, de Veloso; geneúna é uma Cassia, não nos é fácil saber qual;
cuipeúna parece um Myrtus; seguem dois cipós leguminosos; e o conhecido Rhizophora mangle L... ou mangue-vermelho.
[135]
As plantas descritas no capítulo 61 são todas de uso comum, e por isso mui conhecidas; vêm a ser: a nicociana, o rícino ou
mamona, a batata-de-purga ou jalapa (jeticuçu) e a rubiácea ipecacuanha, que o nosso autor escreve pecauém, e os antigos
jesuítas ipecacoaya, de onde derivou o nome poaya, que muitos lhe dão. Ao tabaco chama Soares petume; segundo Montoya (Voc.,
p. 203), dizia-se em guarani petyma, ou, como traz o Dic. Bras., pytyma. Damião de Góis (Crônica de d. Manuel, parte I,
cap. 56) e com ele Baltasar Teles (Crônica da Companhia de Jesus, parte 1ª, livro 3°, cap. 3°, p. 442), chamam-lhe betum. O cronista
do rei d. Manuel narra como essa planta foi levada à Europa por seu irmão Luís de Góis, que ao depois foi jesuíta, e de quem nenhum botânico tem
feito caso até hoje, apesar do serviço que fez, muito maior do que Nicot. As minuciosas informações sobre o como se fumava são hoje mui curiosa
prolixidade, por isso mesmo que todos sabem o que é beber fumo, como Soares chama ao fumar.
[136]
Maniú deve entender-se o nome indígena do algodoeiro (Gossypium vitifolium de Lam.). O Dic. Bras. diz amanyú, e Montoya
(p. 151) amandiyú; em Abbeville (f. 226 v.) lemos amonyou. A Lantana camara é hoje conhecida por toda a parte; ubá ou
taboca é o Ginerium saccharoides de Kunth; não sabemos se há engano na palavra jaborandi, ou na última, jaborandiba, quando
nos diz o autor que o nome dado pelos indígenas às duas plantas era o mesmo; o último é evidentemente o Piper jaborandi de Veloso. Não
afiançamos a correção ortográfica em caapiam; deveria talvez ler-se, com Piso, caaopiá, planta do gênero que Vandelli denominou
Vismia, em honra do seu amigo mr. de Visme.
[137]
Aos fedegosos (Cassia sericea Sw.) chamavam os jesuítas tareroguy, de onde se pode ver que não haverá erro no nosso texto em
tararucu; bem que nos inclinemos mais à desinência em quy, e seríamos de opinião que a preferíssemos para a nossa língua em todos os
casos idênticos, pois até parece que os muitos uu tornam a linguagem tristonha. Para reduzir as outras plantas, apesar de terem alguns nomes
conhecidos, até na botânica, encontramos contrariedades, as quais todas só poderá aplainar algum naturalista que se ache na província em que o autor
vivia.
[138]
O cedro, chamado acayaca pelos indígenas (Dic. Bras., p. 23), é, segundo se nos assegura, do gênero Cedrela.
[139]
Não respondemos pela correção do nome da segunda árvore que o nosso texto chama de guaparaíba, e, menos ainda, pela do da Academia,
quoapaiju; pois nem sabemos o que seja. Da jutaipeba propôs-se Baltasar Lisboa a fazer um novo gênero com o nome de Jatahypeba
valenciana.
[140]
Também quis o mesmo Baltasar criar um novo gênero com o nome de Massaranduba, talvez sem saber se esta sapotácea, embora no Brasil
cientificamente desconhecida então, não pertencia a algum velho gênero. Para se classificar de novo na Botânica é necessário ter sobretudo muita
erudição dos escritos da ciência: muitos gêneros se contam hoje que se hão pouco a pouco ir reduzindo a espécies de outros. Quanto às espécies,
principalmente na América, onde as fisionomias naturais têm tanta semelhança umas com outras, apesar das distâncias, estamos persuadidos que mais de
metade delas se verão reduzidas a simples variedades, quando haja viajantes naturalistas que percorram todo este continente, e tratem de harmonizar
os trabalhos dispersos de tantos, cada qual a querer-se fazer célebre e aos seus protetores. Um classificador de plantas deve ser exclusivamente
botânico. Segundo o nosso texto, chamavam os índios andurababapari ao angelim, que Piso chama Andira ibacariba, e Martius reduziu sob
o título Andira rosea. A palavra andira faz crer que alguma coisa tinham os morcegos que ver com esta árvore. O códice acadêmico diz
andurababajari, e o coronel Carlos Julião (últ. número de O Patriota, p. 98) o teria visto em manuscrito. No Dic. Bras. (p. 12)
chama-se-lhe pobúra. Arruda tinha denominado o angelim Sholemora pernambucensis. Lamark havia já proposto o gênero Andira, de
que é sinônimo o Geoffroya de Jacquin. O jequitibá não sabemos que esteja reduzido. Ubiraém é naturalmente o burayén de
Antonil (p. 57), que o sr. Riedel classificou como Crysophyllum Buranhen. Sepepira é a sicopira (assim escreve Moraes); talvez
a mesma que Baltasar queria designar com o nome de Joannesia magestas. Antonil (p. 51, 56, 56) escreve sapupira, e o autor do poema
Caramuru, supopira. A Bowdichia major de Martins é uma sicopira; a urucurana do Rio de Janeiro foi reduzida pelo sr. dr.
Freire Alemão a um gênero novo, a que deu o nome de Hyeronima alchorneoides. Não sabemos se a da Bahia é diferente.
[141]
Antonil (p. 57) escreve camassari e Cazal camaçari. O autor pondera mais adiante (cap. 191) o valor
desta árvore, da qual seria fácil extrair alcatrão. Guanandi é talvez uma clusiácea, e poderá ser a mesma Moronobea coccinea
que encontrou Aublet na Guiana Francesa.
[142]
Das árvores que dão embira mencionadas, no capítulo 68, é mais conhecida a que Veloso (IX, est. 127) designou por
Xylopia muricata.
[143]
Das madeiras de lei que neste comentário cabe tratar, só nos consta que estejam classificadas a do pau-ferro, e a que Soares diz ubiraúna, se
é a braúna vulgar (Melanoxylon brauna, de Schott). Ubira-una significa "madeira preta" e ubira-piroca "madeira cascuda"
ou "escamosa".
[144]
Tatajiba ou antes tatajuba (juba significa amarelo) é a Broussonetia tinctoria, Mart.; sereíba a
Avicenia nilida L.; e a terceira árvore, cujo nome não podemos ainda justificar, é a Laguncularia racemosa de Gaertner.
[145]
À Apeíba, com este mesmo nome, deu a ciência um gênero, na ordem natural das Tiliáceas. Aqui trata-se da jangadeira, ou árvore das
jangadas, que Arruda apelidou A. cimbalaria. Sobre as outras árvores não nos atrevemos a fazer reflexões sem mais conhecimento especial
delas; deixamos essa tarefa para os que forem botânicos de profissão; o fim deste comentário é outro, e ainda quando estudássemos toda a vida das
ciências, que abrange hoje o livro de Soares, em alguns pontos deixaríamos de ser juízes competentes, O nome da árvore com que começa o capítulo
deveria etimologicamente, talvez ser catanimbuca, isto é "pão de cinza". Ubiragara quer dizer "árvore de canoas". Cremos que seja a
figueira do mato ou gameleira (Ficus doliaria Mart.) Se soubermos algum dia a língua tupi ou guarani e estudarmos bem os seus nomes de
árvores, animais etc., acharemos que todos eles terão como este sua explicação das propriedades e usos dos respectivos objetivos; o que já
advertimos com a palavra andira no com. 140.
[146]
Carunje parece-nos palavra adulterada. Inhuibatan escreve J. André Antonil (p. 57). Jacarandá é já um gênero botânico criado
por Jussieu; não sabemos se a ele pertence o de Soares. Mocetayba escreve o jesuíta Vasconcelos (II, 80), e messetaúba Antonil (p. 56
e 57). Ubirataya é talvez a ubirataí ou urutaí descrita por José Barbosa de Sá (fol. 361 v.), num extenso livro manuscrito do
século passado, obra feita no sertão quase com tantas informações filhas da própria observação do autor, como esta de Soares que ora comentamos.
Tangapemas lemos em Vasconcelos (II, n.° 18). Referimo-nos, deste jesuíta, quase sempre às Noticias Curiosas, que tiveram uma terceira
edição no Rio de Janeiro em 1824, num volume de 183 páginas de 4°.
[147]
Ubiratinga quer dizer "madeira branca".
[148]
Anema significa "cheirar mal" (Dic. Bras., p. 40), de modo que ubirarema quer dizer "madeira
fedorenta". Guararema se lê no Patriota (III, 4°, 8); outros dizem ibirarema.
[149]
A leguminosa de que primeiro se trata, com o nome comedoy, é naturalmente do gênero Ormosia. Araticupana (como diz o texto da
Academia e vem de Moraes) é a Anona palustris L. Anhangakybaba seria mais corretamente a tradução de "pente do diabo". Cuié-yba
ou "árvore das cuias" é a conhecida Crescentia cujete L. Da jatuaíba ou jutuaíba trata também Barbosa de Sá (fol. 365 v.).
[150]
O timbó-cipó é a Paullinia pinnata de Lineu; o cipó-embé o Philodendron imbe de Schott (Veloso, Flora Flum., IX, est. 109).
[151]
Tucum, segundo é sabido, é uma espécie de Astrocarium.
[152]
A ave que Soares designa por águia caburé-açu é, pelos indícios que nos dá, a Trachypetes aquilus de Spix. Nhandu ou ema
é a Struthia rhea de Lineu. Abbeville (fol. 242) escreveu Yandou. O tabuiaiá, que Baena (Corogr., p. 100) diz
tambuiaiá, pela etimologia se julgaria um Anser, pois que aiá quer dizer pato; mas a descrição conforma-se mais a que seja algum
Cassicus.
[153]
O macucaguá descrito por Soares não é o macuco vulgar; parece antes a Perdix capoeira de Spix, e por conseguinte não Tinamus;
Abbeville escreve macoucaoua, e Staden mackukauwa (p. 2ª, cap. 28). O motum de Soares é exatamente o Crax rubirostris de
Spix (Av., II, tab. 67). O jacu por ele descrito não nos parece nenhum dos galináceos classificados no gênero Penelope, cujos
nomes brasílicos para as espécies jacupema, jacutinga etc., a Ornitologia já admitiu. Tuiuiú é reconhecidamente o Tantalus
loculator de Lineu. Em Caiena, chamam porém Touyouyou à Micteria americana.
[154]
O canindé de Soares é uma variedade da Aratinga luteus de Spix (Av., tom. 1°, tab. 16). Confronte-se também a descrição de
Buffon (Hist. Nat., tom. 7° p. 154 e 155, edic. 4° gr.). A arara e tucanos são bem conhecidos. Embagadura, entre os
indígenas, era o punho da espada, segundo melhor se explica no capítulo 173.
[155]
Uratinga (Ouira-tin de Abbeville, fol. 241), é a Ardea egretta de Lineu;
Upeca, Vpec de Abbeville (fol. 242), Ipecu no Dic.
Bras. (p. 59) é ave do gênero Anas. Aguapeaçoca ou piassoca a Palamedea cornuta de Lineu;
jabacatim a ribeirinha que Moraes (no voc. Papa-peixe) designou por jaguacati. Os gariramas são do gênero Tringa.
Jacuaçu é evidentemente a Ardea scolopacea de Gmelin, para a qual Viellot propôs o gênero Aramus, havendo sido por Spix denominada
Ralus ardeoides.
[156]
O nhambu é conhecidamente o Tinamus plumbeus de Temnink. Picaçu, parari, juriti e piquepeba parecem as
Columbina griseola, strepitans, caboclo e campestris de Spix.
[157]
Papagaio é voz africana; era o nome dado em Guiné aos cinzentos, primeiros que se levaram a Portugal. O nome brasílico é ageru ou ajuru
como admite Moraes (Dic. Port.). Abbeville (fol. 234) escreveu juruue. Assim, ajeru-açu (que outros escrevem juru-assu)
significa papagaio grande, e ajeru-eté papagaio verdadeiro. O primeiro, bem como corica, parecem do gênero Ara. Thevet (fol. 93
das Singul.) escreveu Aioroub. Tuim será um dos Psitaculus gregarius de Spix. Soares escreveu, com Gandavo, maracaná;
outros, porém, dizem maracanã. — Consulte-se Marcgraf (p. 20); Johnston, Avi, p. 142; Willugby, Ornithol. (p. 74), e Brisson,
Ornithol., tomo 4°, p. 202).
[158]
O capítulo 84 ocupa-se de várias aves ribeirinhas; talvez da Ardea garzetta de Gmelin; da Sterna magnirostris
de Spix; de uma Procellaria; da Micteria americana; de algum Ibis, Triaga etc. Sucuri deve ser Socó-boi ou
Ardea cocoi de Lath. Em vez de margui lemos em uns códices margusi, e talvez se devesse ler majuí, que é o nome dado às
andorinhas (Dic. Bras. p. 12). Pitahuão parece que se diz no Peregrino da América (p. 48) que era o bem-te-vi; mas a
descrição de pitaoão não se conforma.
[159]
Urubu é o Vultur jota de C. Bonaparte; cará-cará o Polyborus vulgaris de Vieillot; toacaoam o Astur cachinnans
de Spix (tomo 1°, tab. 2ª); urubutinga, à vista da descrição não pode deixar de ser o Cathartes papa, e impropriamente chamou Lineu a
uma águia negra Falco urubutinga quando esta última palavra quer dizer urubu branco; mas igual troca já se fez com a araraúna.
Difícil será reduzir a espécie de Falco ou Milvius de que trata o autor com tão pouca explicação.
[160]
A primeira e terceira aves parecem Strix. A segunda, cremos que será o Trogon curucuí de Lavaillant. Desculpe-se a Soares ocupar-se, a
par destes, de um quiróptero, seu companheiro de noite. Quanto à ortografia dos nomes, Souza Caldas escreveu (Canto das Aves) jacorutu
e Abbeville, em francês, joucouroutou.
[161]
Uranhengatá é o passarinho do Brasil que substitui no canto o canário e o pintassilgo. Gorinhatá escrevem alguns; e Nuno Marques
Pereira, no Peregrino da América (Lisboa, 1760, p. 48), guarinhatão. Hoje diz-se grunhatá (Cazal I, 84, e Rebelo, Cor. da
Bahia, 1829, p. 56). Parece o Icterus citrinus de Spix. Sabiatinga (que ainda hoje em algumas partes se chama sabiá branco)
é o Turdus orpheus de Spix. Tié piranga é o nosso mui conhecido tié (Tangara nigrogularis de Spix ). Guainambi é
o nome indígena dos beija-flores, que hoje constituem vários gêneros; e aiaiá o da linda colhereira que Vieillot designou como Platalea
aiaia. Jaçanã, pelo nome, deve ser o gênero Parra; e neste caso talvez a de que trata Soares seria encarnada por metamorfose que
essa espécie sofra, como acontece aos guarás (Ibis ruber). Segue-se a Tangara coelestis de Spix, e mais duas aves que também podem ser
do mesmo gênero, se alguma não é antes Musicapa ou Lanius. A última ave é da família psitacina.
[162]
Os pássaros que melhor conhecemos, alem do que primeiro tratou no cap. anterior, e torna a ocupar-se, são: o sabiá-coca ou sabiá-da-praia,
que Spix denomina Turdus rufiventer, e do qual diz (p. 69 do texto) ser "cantu melodico uti philomela europaea insignis"; e o
querejua ou crejoá que é a Ampelis cotinga de Lineu.
[163]
Nhapupé é o Tinamus rufescens de Temnink. A saracura pertence ao gênero Rallus; Spix descreve-a como Galinula
saracura. Oru é o Trogon sulphureus de Spix, e anu (que Moraes diz anum) o Crotophaga ani de Lineu. Segue-se
a Ardea maguari de Vieill, e talvez um Tinamus, vários Turdus; e conclui-se o capítulo com um trepador pica-pau (Picus),
manifestamente o que Spix denominou P. albirostris, e que, segundo Cuvier julga, tem analogia com o P. martius de Lineu.
[164]
Ocupa-se o autor se dar notícia geral dos ortópteros e lepidópteros. No Dic. Bras. (p. 42) lemos tucuna, e em Abbeville (fol. 255 e
255v.) pananpanam e arara.
[165]
Seguem vários himenópteros da família melífera. Da canajuba trata Baena (Corog. p. 121) e da copueruçu Carvalho (cap. 351) e
Piso (p. 287), que também se ocupa da taturana (p. 289).
[166]
Os outros da família diptóptera de Latreille, e alguns dípteros etc. Abbeville escreve (para ser lido por franceses), tururugoire e merou
ou berou por terigoá e meru.
[167]
Mais dípteros, um ortóptero e um coleóptero da família dos longicórnios de Latreille, ou cerambicios de Lank.
[168]
Tapir-eté ou simplesmente tapir era o nome que davam os indígenas ao conhecido paquiderme Tapir americanus, que Buffon descreve
no tomo undécimo de sua obra (edic. de 4°, p. 464). Os castelhanos lhe chamaram ante e danta e os portugueses anta, porque
designavam a esse tempo com tal nome (derivado do arábico, que é semelhante) o búfalo (Bos bufalus de Lineu) que havia na África e no Sul da
Europa, e cujas peles curtidas de cor amarela, que muito se empregavam nos vestuários e armaduras no século X, puderam substituir pelas do nosso
tapir, com mais vantagem ao menos no preço. A resistência das couras [gibão de couro com abas, para resguardar o corpo na guerra] de anta à
estocada era proverbial.
[169]
Jaguareté ou jaguar verdadeiro é a Felis onça de Lineu.
[170]
Há talvez engano em supor um animal Felis habitador dos rios ou anfíbio; no tamanho das presas também deve haver engano, pois não podem ser
de um palmo.
[171]
Julgamos mais acertado não querer reduzir, sem bastante segurança, as três espécies de cervos de que se ocupa Soares, se bem que uma nos pareça o
C. rufus de Cuvier, e outra o C. tenuicornis de Spix.
[172]
Ocupa-se o autor do tamanduá-açu ou Myrmecophaga jubata. Segue-se talvez uma espécie de aguarachaí ou Canis azarae; e
depois o coati, espécie de Nasua, o maracajá ou Felis tigrina e o seriguê ou gambá, que no Rio da Prata chamam
micuré, espécie do Didelphis de Lineu. Gandavo (fl. 22v) escreveu cerigoês e Vasconcelos (liv. 2°, not. 101) çarigué. Ao
bolso do abdome chamavam os indígenas tambeó.
[173]
Jaguarecaca (talvez antes jaguatecaca) diz Soares ter sido o nome do conhecido Mephitis foeda de Ill., que Cazal (I, 64)
designou por Jaraticaca.
[174]
Os paquidermes que se descrevem todos parecem dicotyles e nenhum sus. Deixemos a redução das espécies aos que tenham à vista bons
exemplares adquiridos nas imediações da Bahia. Os nomes nos manuscritos não sofreram adulteração; mas hoje alguns variam em caititu,
taiatitu e tiririca.
[175]
Poucas palavras terão sofrido entre nós mais variedades na ortografia do que a da capivara, que assim se pronuncia e escreve hoje quase
geralmente o nome do Hydrochoerus capibara de
Cuvier. Os outros anfíbios não podemos determinar só pelos nomes: um
pode ser a Mustela lutra brasiliensis; os outros, talvez, Viverras.
[176]
Chama se tatu-açu ao tatu-aí ou Dasypus unicinctus; tatu-bola é o D. tricinctus; os dois últimos parecem ambos da
espécie D. novemcinctus.
[177]
As pacas e cotias bem conhecidas são, assim do vulgo como dos naturalistas. Cotimirim, ou antes, coatimirim é o estimado
caxinguenguelê [caxinguelê], do gênero Sciurus.
[178]
O capitulo 104 dá razão de cinco animais da ordem dos quadrúmanos, cada um de seu gênero. O guigó é Callitrix; o guariba,
Mycetes; os sagüis da Bahia, Jacchus; os do Rio, Midas; e os anhangás ou diabos são evidentemente Nocthora.
[179]
Se o autor andou tão sistemático no capítulo que acabamos de comentar, não sucedeu assim no imediato, onde ajuntou vários animais mui diferentes:
saviá (ou talvez sauiá) e seus compostos S. tinga e S. coca, são espécies dos gêneros Mus e do Kerodon de
Neuwied. Aperiás são os preás ou Anoema cobaia L.; tapotim é a Lepus brasiliensis de Gmelin; e jupati um
marsupial, provavelmente a denominada marmota (Didelphis murina).
[180]
Para não interrompermos o pouco que nos falta da classe dos mamíferos, não nos deteremos com largo exame no capítulo em que Soares dá notícia de
alguns répteis do gênero Emys, e talvez de mais algum da família dos quelônios. O nome brasílico jabuti já está também consignado nos
tratados da ciência zoológica, e nos museus do Universo.
[181]
A preguiça (gênero Bradypus de Lineu) é pelo jesuíta Vasconcelos denominada
(liv. 2°, n° 100) Aig. Haût dizia Thevet.
[182]
Não sabemos como entende Soares que jupará ou antes jurupará queira dizer noite. Juru significa
"boca", e noite ou escuro traduz-se por "pituna". Sabemos que existe ainda nas nossas províncias do Norte um animal daquele nome, que se caça
de noite, quando vem comer fruta em certas árvores, e que em algumas terras lhe chamam jurupari. Este nome quase equivalia entre os indígenas
ao de anhangá. Assim talvez o animal seja algum gênero Nocthora (com. 178). O
cuandu, cuim e queiroá são espécies de Hystrix.
[183]
Enceta-se uma das ordens dos répteis com a jibóia, mui propriamente chamada Boa constrictor. Atualmente há duas delas vivas no nosso museu.
Veja-se a dissertação sobre Ofiologia do sr. Burlamaque na Biblioteca Guanabarense, que publica os trabalhos da "Sociedade Velosiana" (agosto de
1851).
[184]
São conhecidos os ofídios de que trata o capítulo. Ao último chamou Abbeville Tarehuboy, e Baena (Cor. do Pará, p. 114)
tarahiraboia.
[185]
Hoje diz-se vulgarmente jararaca (Trigonocephalus jararaca Cuv.). A ububoca ou coral, pelo nome deve ser a Elaps
marcgravii de Spix.
[186]
O nome de boicininga caiu em desuso e só ficou o de cascavel (Crotalus cascavella). Os quiriguanos chamavam-lhe emboicini
ou boiquirá; assim como, segundo J. Jolis (Saggio del Chaco, p. 350), chamavam boitiapó à que Soares diz boitiapóia,
mais conhecida por cobra-de-cipó, talvez pelo uso dos indígenas de açoitarem com ela, pelas cadeiras, a suas mulheres quando lhes não davam
filhos. Ubojara é naturalmente a Coecilia ibiara Daud, p. 63 e 64.
[187]
Trigonocephalus surucucu chama Cuvier ao ofídio que em vulgar designamos com este último nome. O ubiracoá
parece a Natrix punctatissima de Spix. Os outros são talvez espécies de Xiphosoma. Urapiagara ou guiraupiagara quer
dizer "comedora dos ovos dos pássaros".
[188]
Na ordem dos sáurios menciona Soares um jacaré que, como se sabe, é do gênero da família dos crocodilos. Sanambus e tijus (ou teiús)
são iguanas. Anijuacanga talvez seja adulteração de teju-acanga.
[189]
Trata-se de alguns anfíbios da família Ranidae. O sapo é o Pipa cururu de Spix. Jui-giá quer dizer rã do gemido, e por
este nome é hoje conhecido em algumas províncias este batráquio.
[190]
Não sabemos individuar os ápteros miriápodes que Soares descreve neste capítulo, por nossa míngua de conhecimentos
entomológicos, e falta de coleções que nos sirvam de guia. Piso (p. 287) escreve ambuá.
[191]
Outro tanto dizemos acerca dos pirilampos ou vagalumes que devem, naturalmente, pertencer, como os que conhecemos, à ordem
dos coleópteros. Piso (p. 291) disse memoá.
[192]
Da classe aracnídea trata-se no capítulo 118, bem como dos articulados do gênero Scorpio, Mygala etc.
[193]
Não nos foi possível encontrar coleções contendo os himenópteros tratados nos quatro capítulos que seguem. Abbeville (fol. 255 v.) chama
Ussa-ouue à formiga saúva ou tocanteira.
[194]
A palavra goajugoaju parece-nos não ter sofrido adulteração; é uma Formica destructrix.
[195]
O Dicionário de Moraes anda falto de um acento na segunda sílaba da palavra içás.
[196]
Taciba é em geral a palavra para dizer formiga na língua guarani.
[197]
Copi ou cupim é o conhecido Termes fatale de Lineu (Cuvier, t. 3°, p. 443). Neste capítulo há no nosso texto melhoramentos de
variantes importantes.
[198]
Abbeville (fol. 256) chama tou ao que Soares e o pe. Luís Figueira (Gram., p. 48) dizem tunga, e
atum Hans Staden. É a nigua dos espanhóis, e chique dos franceses (Labat., Viag., 1724, t. 1°, p. 52 e 53).
[199]
O nome pirapuã dado pelos indígenas ao cetáceo baleia pode traduzir-se por peixe redondo ou
peixe-ilha.
[200]
Segundo nos informa o sr. Maia, não consta que o espadarte freqüente hoje a nossa costa. E se nunca a freqüentou é ele de
opinião que o de que Soares trata seja antes o Histiophorus americanus de Cuv. O peixe monstro de que se faz menção seria naturalmente algum
cachalote de extraordinário tamanho.
[201]
A idéia de homens marinhos era familiar aos índios. Gandavo (fol. 32) dá notícia deles, com o mesmo nome que Soares, apenas diversamente escrito, —
hipupiara. O pe. João Daniel, no Tesouro do Amazonas (p. 1ª, cap. 11) também se mostra, em tal assunto, crédulo. Soares não pôde ser
superior ao que terminantemente ouvia afirmar, e ao seu século; pois que era idéia antiga também na Europa, com as sereias etc. Bem conhecida é a
passagem de Dante, tantas vezes citada:
"Che
solto l'acqua ha gente che sospira,
E fanno pullular quest'acqua al summo."
As assaltadas de que se faz menção seriam talvez obra de
tubarões ou de jacarés, uma vez que por ali não consta haver focas.
[202]
Trata o cap. 128 de peixes dos gêneros Pritis, Squalus etc. Romeiro é o Echenes remora de Lineu. Abbeville (fol. 245 v.)
escreveu Araouaoua, e Thevet (Singul., fol. 133 e Cosmogr., fol. 967 v.) Houperou, o que comprova a exatidão nos termos
Aragoagoary e Uperu de Soares, atendida naqueles a ortografia francesa.
[203]
Coaraguá ou Guarabá (Dic. Bras., p. 60) é o conhecido cetáceo do gênero Trichechus.
[204]
O beijupirá, sem questão o mais estimado peixe do Brasil, como assevera Soares, é o escomberóide antes denominado Centronotus, e hoje
classificado como Elacate americana (Cuv. e Val., Hist. des Pois, 8.334). Olho-de-boi (que deve ser algum Thinnus)
diz-se em guarani tapir-siçá. Do camoropi tratam Laet (p. 570), Lago (p. 62), Abbeville (fol. 224), Gandavo e Pitta (p. 42).
[205]
Ainda que sejam mui nomeados os peixes que Soares reuniu no capítulo 131, confessamos que deles só conhecemos a cavala, escomberóide do gênero
Cybium (Cuv. e Val.., Hist. des Pois., tom. 8° p. 181).
[206]
Melhor acertamos acerca dos peixes cartilaginosos. Panapaná (nome que também nos transmitem Thevet e Abbeville) é a Zygaena malleus de
Vallenciennes, gênero da família dos Squalidae, bem como os cações. Os bagres são Siluridae talvez do gênero
Galeichthys e Pimelodus. Piso trata deles com nomes análogos: curuí e urutu. Caramuru é um ciclóstomo, talvez
Petromyzon. As arraias do Brasil são de vários gêneros: Raia, Pastinaca e Rhinoptera; e os nossos pescadores desta parte da
costa as distinguem com as denominações de Santa, Barboleta e Manteiga, Ticonha, Boi (a negra), Treme-treme etc.
Jabibira é significado que se confirma no Dicionário Brasílico, p. 66.
[207]
Preparemo-nos para encontrar em um capítulo peixes muito dessemelhantes entre si. Vereis ao lado de algum Lobotes (?) um Thinnus, uma
Coryphena, um Scomber, um Serranus, um Elops. Julgamos o roncador dos cienidas, as agulhas dos esocidas, o peixe-porco
dos balistidas e este último mui provavelmente Monocanthus. Quanto aos nomes indígenas, temos por exatos todos os do nosso texto.
Guaibi-coara explica a denominação que menciona Piso (p. 56), porquanto guaibi ou guaimim (segundo escreveu o autor do
Dicionário Brasílico) quer dizer velha. Jurucuá é, segundo Piso, o nome das tartarugas, que Soares teve a lembrança pouco feliz de
arrumar neste capítulo.
[208]
De novo atende Soares a outros peixes, como se juntos tivessem saído de um lanço de rede. Trata-se primeiro da Mugil albula de Lineu, que é
dos mais abundantes da nossa costa. O peixe-galo em questão é do gênero Argyreyosus ou do Blepharis, ou de algum dos outros que
constituíam o Zeus de Lineu, os quais se podem compreender na família dos escomberóides. Pororé é o nome que significa enxada; porém a
enxada-peixe, ou peixe-enxada, é da família quetodôntida, e do gênero Ephippus, quanto alcançam nossos exames. A coirimã
ou corimá pertence ao citado gênero Mugil. Arobori deve ser dos Clupidas, e carapeba do gênero Sciena.
[209]
Jaguariçá é naturalmente da família dos ciprínidas; piraçaquê do gênero Conger. O bodião é peixe diferente, segundo os
países. O nome atucopã verifica-se pelo de oatucupá, que se dá o Dic. Bras. (p. 62) para a pescada. A palavra guaibi-quati
tem o que quer que seja que ver com velha (com. 207).
[210]
Uramaçá ou aramaçá, segundo os que seguem Marcgraf, é do gênero Pleuronectes. Aimoré parece um
Lophius. O baiacu é um Tetraodon e o piraquiroá um Diodon. Estes dois peixes da família gimnodôntida servem de
confirmar a propriedade que guardavam os guaranis em suas denominações: ao baiacu, que ainda hoje serve de proverbial comparação para os que
imitam a rã da fábula, designarem eles por sapo; e piraquiroá, traduzido ao pé da letra quer dizer peixe-ouriço ou
peixe-porco-espinho, nome dado pelos pescadores. Concluiremos o que temos a dizer sobre o cap. 136, depois de parar algum tempo admirando Soares
a descrever a Malthea Vespertilio, que tão freqüente é em nossas águas, com o nome de morcego-do-mar. Foi com um exemplar preparado,
que tem o nosso Museu do Rio de Janeiro, e depois com outro que se acabava de pescar, à vista que tivemos bem ocasião de admirar o génio observador
e talento descritivo de Soares. Vacupuá é seguramente adulteração de Baiacu-puá.
[211]
Deixamos para os que venham a fazer ex-professo estudos sobre a nossa ictiologia, tão pouco estudada até agora, os exames que não nos é
possível ultimar acerca da doutrina deste capítulo, além do muito que deixamos nos capítulos já comentados. O de que tratamos conclui com um
crustáceo bem conhecido.
[212]
Seguem outros crustáceos. Uçá é o Cancer uca de Lineu ou Ocypode fossor de Latr.
[213]
Mais crustáceos do gênero Cancer, Grapsus etc. O uso já admitiu a pronúncia e ortografia de siri com preferência a todas as
outras. O nosso autor dava-lhe novo cunho de autoridade.
[214]
Leri é o nome genérico da ostra, e ainda nos lembramos da graça que os tamoios acharam ao francês Lery de ter um nome como o deles. Abbeville
(fol. 204) diz rery, e desta maneira de pronunciar (mais exata visto que segundo Soares os indígenas não tinham o l de Lei)
veio Reritiba (Vasconc. not. 59).
[215]
Os testados de que trata Soares são conhecidamente Anodon, Unio, Mytilus.
[216]
Descrevem-se a Ampularia gigas de Spix, alguns Bulinus, Helix etc. Nos nomes indígenas notam-se variantes dos do texto
acadêmico, que traz o Papesi, Oatapesi e Jatetaosu diferentes.
[217]
Compreende o capítulo vários equinodermos, parenquimatosos, pólipos etc.
[218]
São-nos mui familiares os nomes e o gosto dos peixes lembrados no cap. 144, os quais se encontram nos rios do sertão; mas, sem exemplares à vista,
não queremos arriscar opinião sobre o lugar que eles ocupam na ictiologia, sendo mui natural que pela maior parte estejam por classificar; ainda
assim, conservamos lembrança da forma petromizonida dos muçus; da ciprínida das traíras; da silúrida dos tamuatás; da pérsida
dos ocaris etc.
[219]
Vêm de novo alguns testáceos e crustáceos: são Anodon, Helix, Unio etc., de água doce.
[220]
O texto da Academia nomeava goachamoi o que em outros códices lemos guanhamu; hoje dizemos ganhamu.
[221]
Não havia, e insistimos ainda nesta idéia, no Brasil, nação tapuia. Esta palavra quer dizer contrário e os indígenas a aplicavam até
aos franceses, contrários dos nossos, chamando-lhes tapuytinga, isto é, tapuia branco (veja-se o Dic. Bras., Lisb., 1795, p.
42). Antigamente, no Brasil, como atualmente [Varnhagen escreveu há mais de um século, isto é, em 1851] ainda no Pará, chamava-se tapuia ao
gentio bravo; e tapuia se iam chamando uns aos outros, os mais aos menos civilizados. Quando os tupis invadiram o Brasil do Norte para o Sul
(e não do Sul para o Norte, como pretendeu Hervas e com ele Martius), chamaram tapuias às raças que eles expulsaram. Os tupis, que a si se
chamavam tupinambás, ou tupis abalizados, foram logo seguidos de outros de sua mesma raça, que se chamavam também a si tupinambás, e
deram aos vencidos que empurraram para o Sul e para o sertão o nome de tupi-ikis e de tupin-aem, isto é, tupis laterais e
tupis maus, como já dissemos (com. 39).
[222]
O fracionamento crescente da raça túpica, que se estendia por quase todo o Brasil, na época do descobrimento, era tal que não exageram os que crêem
que, a não ter lugar a colonização européia, a mesma raça devia perecer assassinada por suas próprias mãos; como quase vai sucedendo nestes matos
virgens, em que temos índios bravos fazendo-se uns aos outros crua guerra. Sem a desunião da raça tópica nunca houvera uma nação pequena como
Portugal colonizado extensão de terra tão grande como a que vai do Amazonas ao Prata. Os primeiros colonos seguravam-se na terra à custa desta
desunião, protegendo sempre um dos partidos, que com essa superioridade ficava vencedor, e se unia aos da nova colônia, mesclando-se com ela em
interesses, e até em relações de parentesco etc. Às vezes, chegavam a fomentar a desunião política, o que não deve admirar quando vemos que isto
ainda hoje é seguido, e que nações, aliás poderosas, não conquistariam muitas vezes nações fracas, se dentro destas não achassem partidos discordes
em quem pudesse encontrar ponto de apoio sua alavanca terrível.
[223]
O nome indígena do termo da Bahia deve estar certo, porquanto os jesuítas o repetem, escrevendo-o Quigrigmuré. Cremos ser a mesma Bahia o
local a que se quis referir Thevet (fl. 129) com o nome de Pointe de Crouestimourou. Não andaria, porém, já neste nome a idéia da residência
do Caramuru?
[224]
Neste capítulo confirma Soares que o nome dos indígenas, antes de se dividirem, era o de tupinambás; e que falavam geralmente a mesma língua por
toda a costa, e tinham os mesmos costumes etc.
[225]
O principal cacique dos tupinambás tinha (e tem ainda) entre eles o nome de morubixaba. No nosso museu há o retrato de um de Mato Grosso todo
vestido de gala, e que no batismo se chamou (como o governador) José Saturnino.
[226]
A respeito da condição da mulher entre os tupinambás consulte-se o que diz o pe. Anchieta (tom. 1º da 2ª S. da Rev. do Inst., p. 254). Esse
escrito de Anchieta devemos à bondade do nosso amigo o sr. dr. Cunha Rivara, bibliotecário de Évora, e que tantos outros serviços tem prestado às
letras brasileiras.
[227]
As axorcas usadas pelas mulheres eram denominadas como diz o nosso autor, pois que o confirma Abbeville escrevendo (fl. 274) tabucourá.
[228]
Os primeiros apelidos derivavam, entre os tupis, segundo Soares, 1° de animais, 2° de peixes, 3° de árvores, 4° de mantimentos, 5° de peças de armas
etc. É o que sucede por toda a parte com a raça humana. Nos nossos mesmos nomes não acontece isso? Vejamos: 1°, Leões, Lobos, Coelhos, Cordeiros,
Carneiros, Pacas etc.; 2°, Sardinhas, Lampreias, Romeiros etc.; 3°, Pinheiros, Pereiras, Titara etc.; 4°, Leites, Farinhas, Trigos, Cajus etc.; 5°,
Lanças, Couraças etc. O que dizemos dos nossos nomes pode aplicar-se aos ingleses, franceses, alemães etc.
[229]
Metara era o nome indígena dos botoques da cara; às vezes tinham a forma de uma bolota grande; outras vezes eram como uma muleta em
miniatura. É claro que, com tais corpos estranhos na boca e nas faces, a fala dos gentios se dificultava, ou, antes, era mais difícil entendê-los,
nem que tivessem a boca cheia, como diz Thevet. Quando tiravam o botoque saía a saliva pelo buraco, e por graça deitavam eles às vezes por ali a
língua de fora. Temos visto botoques de mármore, de âmbar e de cristal de rocha.
[230]
O bicho em questão de pele peçonhenta é descrito por Soares no cap. 66, sob o nome de socaúna.
[231]
O parentesco mais prezado deste gentio depois do de pai a filho, era o de tio paterno a sobrinho. Pelo sangue de mãe não havia parentesco, o que
também era admitido entre os antigos egípcios. Os romanos também faziam grande diferença entre o parentesco dos tios paternos e maternos,
distinguindo patruus do avunculus, e sendo aquele o segundo pai, padrinho ou preceptor nato. Assim, a idéia de fraternidade, de
que o Evangelho se serviu e se servem hoje os filantropos como protótipo dos sentimentos da piedade e caridade, não era o que grassava entre essas
raças; e, na verdade, já desde Caim e Abel, os irmãos, por via de rivalidades cotidianas, nem sempre são modelos de sentimentos puros, caridosos e
pios, que o cristianismo quis simbolizar com a fraternidade. Os tupis davam preferência ao parentesco do patruísmo, e diziam-se por ventura uns aos
outros, tios, como nós hoje em comunhão social nos dizemos irmãos. Na Espanha e Portugal, e mesmo entre nós, no sertão, ainda se chama
tio a qualquer homem do campo ou do mato a quem se não sabe o nome; irmão diz-se aos pobres, quando se lhes não dá esmola, e pai
ou paizinho aos pretos, sobretudo quando velhos. Temos idéia de haver lido que o uso antigo de chamar-se a gente por tios, procede do
tempo dos fenícios e dos egípcios. Sendo assim, teríamos nestes fatos mais um ponto de contato para a possibilidade de relações de outrora entre o
Egito e América, acerca do que Lord Kingsborough apresentou tantas probabilidades. É certo que a mesma expressão tupi quer dizer tio, segundo
Montoya, e pode muito bem ser que o nome que hoje damos à raça, não signifique senão tios; assim, tupi-mbá significaria os tios boa
gente; tupi-aem os tios maus; tupi-ikis os tios contíguos etc. Os nossos africanos ainda se tratam mutuamente por
tios. E talvez não só em virtude do uso europeu, como do dos tupis, e quem sabe se mesmo deles africanos. Não faltará quem ache estas nossas
opiniões demasiado metafísicas; mas não são filhas de dúvidas que temos, e publicando-as não fazemos mais que levá-las ao terreiro da discussão.
[232]
Segundo Thevet (fl. 114 v.) para fazer o sal ferviam a água do mar até engrossá-la e ficar ela em metade, e tinham então uma substância com que
faziam cristalizar esta calda salitrosa.
[233]
O timbó e o tingui são o trovisco do Brasil. Quanto à criação de animais e pássaros domésticos, era ela
anterior à colonização, porquanto já na carta de Pero Vaz de Caminha se lê que com isso se ocupavam os das aldeias vizinhas a Porto Seguro.
[234]
Recomendamos a leitura deste capítulo 160 aos que sustentam o pouco préstimo do nosso gentio, que por filantropia estamos deixando nos matos
tragando-se uns aos outros, e caçando os nossos africanos (a que chamam macacos do chão) só para os comer!
[235]
O uso de comer terra [sinal de verminose] e de mascar barro é coisa ainda hoje vista entre alguns caboclos e moleques.
[236]
Também chamamos a atenção sobre este capítulo. Tal é a magia da música e da poesia que a apreciam até os povos sepultados
na maior brutalidade.
[237]
Quanto aqui se relata é confirmado por Lery, Thevet, Fernão Cardim e mais viajantes antigos. Ereiupê era o salamaleque da raça tupi.
[238]
Cangoeira de fumo era nem mais nem menos do que um cigarro monstro cuja capa exterior se fazia de folha de palmeira, em lugar de ser de papel, ou de
folha de milho ou do mesmo tabaco.
[239]
O uso de curar feridas com fogo debaixo de si foi advertido por Pero Lopes, quando diz que se curavam ao fumo. O último parágrafo deste
capítulo não se encontra no texto da Academia.
[240]
O apuro dos sentidos entre os indígenas é proverbial: e ainda nos tempos modernos se vê confirmado por todos os viajantes que têm visitado as
cabildas errantes em nossas matas.
[241]
Em vez de tejupares escreveu o autor do Dic. Bras. (p. 21) tejupaba, e Abbeville (fol. 3 v. e 121) aiupawe.
[242]
Caiçá era o nome do tapigo, tapume silvado ou sebe, que fazia a contracerca ou circunvalação das tranqueiras ou palancas. É palavra que se
encontra três vezes na Relação da tomada da Paraíba do pe. Jerônimo Machado. Cazia diz o texto acadêmico.
[243]
Como tipo da eloqüência guerreira indígena eram consideradas as declamações do célebre principal Quoniambebe [Cunhambebe], de quem trataremos
em outra ocasião.
[244]
O apelido de nascença, de que tratamos (com. 228), só servia aos indígenas enquanto por alguma
façanha não conquistavam outro mais honroso. Pode-se dizer que com este segundo nome ficavam titulares. Para memória dos novos títulos sarjavam o
corpo de riscos indeléveis; o que era honra de que só usava quem a conquistava. Eram os riscos como uma farda ou condecoração, que promoveram o
riso, quando trazidos por quem não as houvesse de direito.
[245]
Mazaraca dizia aqui, em vez de muçurana, o texto acadêmico. As relações dos prisioneiros com as gentias, que lhes davam por
companheiras, poderiam talvez explicar a salvação de alguns. Deste modo encaramos o assunto do Caramuru como romance histórico.
[246]
Era para o gentio reputado vil covardia do prisioneiro o não afrontar a morte com arrogância, e o não exalar o último
suspiro com alguma afronta contra os vencedores. Assim, os indígenas deviam fazer triste idéia dos cristãos quando eles pediam a Deus a misericórdia
na hora da morte, ou faziam alguma outra súplica. Foi por isso que a Câmara da Bahia, representando ao rei contra a ineficácia das Ordens Régias de
se levarem os mesmos indígenas por meios de brandura, disse que eles não agradeciam esses meios brandos, antes se enfatuavam mais com eles,
imaginando que provinham do medo. "Se V. Alteza quiser tomar
informações por pessoas que bem conheçam a qualidade do gentio desta terra, achará que por mal, e não por bem, se hão de sujeitar a trazer à fé:
porque tudo o que por amor lhes fazem atribuem é com medo e se danam com isso". O
mesmo assegura Thevet na sua Cosmog., fol. 909, falando dos antigos tupinambás ou tamoios do Rio de Janeiro: "Et
estiment celuy là poltron, et lasche de coeur, lequel ayant le dessus de son ennemy, le laisse aller sans se venger, et sans le massacrer".
É o que ainda sucede com os dos nossos sertões. Os bugres recebem presentes de ferrinhos que no ano seguinte enviam contra o benfeitor mui aguçados,
nas pontas de suas flechas; ou assassinam aqueles que, depois de lhes fazer presentes, neles confiam. Ainda temos na idéia o horror que nos causou o
assassinato do sertanista Barbosa e seus dois companheiros, descrito em um número anterior (n° 19) da Revista do Instituto.
[247]
Embagadura é o nome do punho da espada tangapema; acha-se repetido neste Tratado no capítulo 80.
[248]
Moquém (de onde derivou o nosso verbo moquear) é a mesma expressão que na América do Norte se converteu em boucan, de onde veio
bucaneiro.
[249]
Por este capítulo 175 vemos que entre os tupinambás da Bahia só os moços iam à cova dentro de talhas pintadas (iguaçabas ou camucins);
falta, pois, examinar se essas múmias acocoradas que se têm encontrado em talhas contêm cadáveres que se possam julgar de pessoas adultas.
[250]
Algumas particularidades narradas por Soares têm analogia com o que praticava a antiguidade, tanto no que respeita ao carpir os mortos, como ao
desamparar ou matar os doentes em perigo.
[251]
O pequeno mui alvo de que dá notícia Soares, quanto a nós, é o caso de um albino na raça tupinambá. Não temos notícias de outros fatos ou exames a
tal respeito. A freqüência e a familiaridade com que Soares se serve já em seu tempo da palavra mameluco fazem-nos crer que ela foi adotada
no Brasil com analogia ao que se passava na Europa. Sem nos ocuparmos da etimologia dessa palavra (que é árabe, língua que não conhecemos) nem das
acepções diferentes em que foi tomada, sabemos que no século XV e XVI chamavam vulgarmente na Espanha, e talvez também em Portugal, mamelucos os
filhos de cristão e moura ou de mouro e cristã. O nome brasílico para mestiço era cariboca, que hoje se emprega noutra acepção.
[252]
Tabuaras dizem algumas cópias, em vez de tapuras, o que pouco dista de tapuias. Abbeville (fol. 251 v.) é de parecer que
tabaiares quer dizer grandes inimigos; assim será; mas não se confunda com tabajaras, que quer dizer os das aldeias ou
os aldeões. Talvez o nome em questão se devesse ler antes tapurá, e neste caso seria quase o mesmo que tubirá ou timbirá,
que ainda hoje se dá a uma nação do sertão; timbirá é nome injurioso, como patife.
[253]
Pelo que nos revela Soares a invasão dos tupinaés devia ser muito numerosa, porquanto se diz que eles "andavam correndo toda a costa do Brasil",
antes da vinda dos tupinambás.
[254]
Amoipiras quer dizer os parentes cruéis, Amôig, parente (Tesoro, de Montoya, fol. 32 v.) e Pira, cruel (fol. 297
v.). Merece, pois, quanto a nós, menos crédito a etimologia de Soares de um chefe chamado Amoipira.
[255]
O que Soares conta da indústria dos amoipiras é aplicável em tudo ao que praticava o mais gentio antes de comunicar com os
europeus. No nosso Museu da Corte e no do Instituto Histórico se guardam vários utensílios em tudo primitivos. As folhas dos machados eram umas
cunhas de pedra esverdeada, como de sienito ou diorito, bem que pela dureza se deviam julgar de pórfiro. De pedra usavam também grandes bordões,
como as alavancas ordinárias, que lhes serviriam de arma ofensiva, e a perfeição como são feitas basta para caracterizar a paciência dos artistas,
que não usavam de metais, nem de mós.
[256]
Vasconcelos (p. 146 e 148) dá notícia de outra nação de igbiraiaras, a que os nossos chamavam bilreiros, no Sul do Brasil. Temos de novo que
lastimar a credulidade do século: agora são mulheres de uma só teta, que pelejavam como amazonas.
[257]
Soares, com seu espírito penetrante, explica a verdadeira causa da vitória dos estrangeiros tupis contra as antigas raças que habitavam o nosso
território pela desunião delas entre si: "Por onde se diminuem em poder para não
poderem resistir a seus contrários, com forças necessárias, por se fiarem muito em seu esforço e ânimo, não entendendo o que está tão entendido, que
o esforço dos poucos não pode resistir ao poder dos muitos".
[258]
O nome de maracás procedeu, talvez segundo muito bem nos lembra o nosso erudito amigo Sr. Joaquim Caetano da Silva, de temerem eles com a
fala e imitarem, com isso, a bulha dos maracás.
[259]
Alude Soares, e só por informações gerais, a todo gentio que habitava as terras das hoje províncias de Goiás, Mato Grosso e Pará.
[260]
Os habitantes das serras do sertão que viviam como trogloditas seriam naturalmente os parecis.
[261]
A rocha que tanta admiração causa ao autor é talvez alguma de formação secundária ou terciária, abundante de incrustações.
[262]
As pedras de alfebas são, naturalmente, produtos zoófitos. Com as formas feitas de barro, sem ser louça nem telha e tijolo (te não houver
erro dos copistas), queria talvez Soares designar os potes, cântaros etc.
[263]
Dá uma idéia da prosperidade da Bahia em 1587 o haver aí 240 carpinteiros e 50 tendas de ferreiros, com seus obreiros.
[264]
Da árvore camaçari tratou suficientemente Soares no cap. 67. Cremos que até hoje não se tem ninguém aproveitado de sua lembrança para
fabricar dela alcatrão e mais produtos resinosos, como a terebintina, breu e o competente ácido pirolenhoso ou água-russa.
[265]
A palmeira, de cujas barbas diz Soares que se faziam amarras, era a conhecida piaçaba, nome que em Portugal se adotou, pronunciando-o
piaçá.
[266]
Adargoeiro é talvez a árvore africana que hoje se diz dragoeiro, que dá o sangue-de-drago; e o nome dragoeiro anda corrompido se acaso
a madeira da árvore serviu alguma vez para adargas.
[267]
Soares, levado de bons desejos, acreditou na existência de minas de aço, e imaginou porventura que o aço se tirava em Milão da rocha, já pronto.
Quanto ao que diz do cobre nativo, não tardou que os fatos o confirmassem, a ponto que de junto da Cachoeira saiu um dos maiores pedaços de cobre
nativo conhecidos, qual é o que se guarda na História Natural de Lisboa.
[268]
Já dá Soares notícia que no seu tempo vinham do sertão, de mistura com o cristal, "pontas
oitavadas como diamantes, lavradas pela natureza, de muita formosura e resplandor."
Não teremos aqui a primeira notícia de diamantes no sertão da Bahia? Quanto às pedras verdes dos beiços, que se tiravam das montanhas, já delas faz
menção Thevet (fol. 121) em 1557. Cabral viu já dessas pedras em 1500, segundo Caminha.
[269]
As esmeraldas descobertas no século 16 seriam naturalmente as turmalinas. Thevet (France Antarctique, fol. 63) diz ter visto pedras que se
podiam julgar verdadeiras esmeraldas. As rochas eram evidentemente de ametista ou quartzo hialino violeta, cuja abundância em nossos sertões é tal
que foi causa de que baixassem de preço no mercado tais pedras.
[270]
Soares, não contente com ter inculcado a um valido de Filipe II a grande importância do Brasil (no livro que por vezes ele denomina francamente de
Tratado), receoso que essa corte, onde só se atendia às riquezas do Peru e à guerra aos hereges, não se comovesse senão por aliciantes
análogos, conclui sua obra com asseverar: 1°, que das minas do Brasil poderiam quase, sem trabalhos nem despesas, tirar mais riquezas do que das
Índias Ocidentais; 2°, que se não cuidavam do Brasil e os luteranos viessem a saber o que por cá havia, não tardariam em se assenhorear da Bahia, e
se o chegassem a efetuar muito custaria botá-los fora. Estas duas verdades proféticas fariam, só por si, a reputação de um homem, ainda quando ele
não houvesse escrito, como Soares, um Tratado verdadeiramente enciclopédico do Brasil. Os holandeses vieram na América vingar-se de Filipe II
e do seu Duque de Alba, e as minas de Minas inundaram o universo, do século passado para cá, de ouro e diamantes. Do homem superior que tinha
entregue grande parte de seu tempo a observar, a meditar e a escrever, nenhum caso naturalmente se fez. O seu livro esteve quase dois séculos e meio
sem publicar-se, e o autor naturalmente depois da dilação (como ele diz) de seus requerimentos em Madri, veio a passar vida tão obscura que nem é
sabido quando, nem onde morreu. Assim aconteceu também, e ainda outro dia, ao homem que depois de Soares mais notícias deu acerca do Brasil: — ao
modesto autor da Corografia Brasílica.
F. ADOLFO DE VARNHAGEN
Rio de Janeiro, 15 de setembro de 1851.
(Nota de Edgard de
Cerqueira Falcão). - Nos seus comentários à obra de Gabriel Soares, alude Varnhagen, com freqüência, às divergências e omissões do texto da Academia
das Ciências de Lisboa (edição de 1825) em relação aos códices em que se baseou. Todavia, às vezes, passa por cima de extravagantes variações de
grafia, como é o caso da palavra pirajá (viveiro de peixe) que a versão portuguesa, nos capítulos XIX,
XX e XXI da 2ª parte, grafa sempre paraião.
Ao lado do número de ordem consecutivo dos
capítulos do texto básico, estabelecido por Varnhagen, segundo o critério que adotou nos seus comentários, colocamos entre colchetes a indicação
correspondente da página de nossa edição. [N.E.: omitida nesta versão eletrônica]
Relativamente à deslocação, por descuido
tipográfico, de duas páginas e meia do capítulo LII para o capítulo LIV da 2ª parte,
inseriu Varnhagen nota de rodapé a respeito, nos comentários, à altura desses dois capítulos, o que faz crer que tais observações se imprimiram
depois do livro básico já pronto. |