Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 17 — Noticia
etnográfica do gentio tupinambá que povoava a Bahia
Capítulo
CLXIV
Que trata do uso que os tupinambás têm em seus conselhos
e das cerimônias que neles usam.
Quando o principal da aldeia quer praticar algum negócio de importância, manda recado aos índios de mais conta, os quais se ajuntam no meio do
terreiro da aldeia, onde em estacas que têm para isso metidas no chão, armam suas redes de redor da do principal, onde também se chegam os que
querem ouvir estas práticas, porque entre eles não há segredo; os quais se assentam todos em cócoras, e como tudo está quieto, propõe o principal
sua prática, a que todos estão muito atentos; e como acaba sua oração, respondem os mais antigos cada um por si; e quando um fala, calam-se todos os
outros, até que vêm a concluir no que hão de fazer; sobre o que têm suas alterações, muitas vezes.
E alguns dos principais que estão neste conselho, levam algumas cangoeiras
[cigarros avantajados prparados com folhas secas de tabaco,
revestidas por uma capa de palha, amarrada] de fumo, de que bebem; o que começa de fazer o principal primeiro; e para isso leva um moço, que lhe dá a cangoeira acesa, e como lhe toma a
salva, manda a cangoeira a outro que não a tem, e assim se revezam todos os que não a têm, com ela; o que estes índios fazem por autoridade, como os
da Índia comem
[mascam] o bétel, em semelhantes ajuntamentos; o que também fazem muitos homens brancos, e todos os mamelucos; porque tomam este fumo por mantença, e não
podem andar sem ele na boca, aos quais dana o bafo e os dentes, e lhes faz mui ruins cores.
Esta cangoeira de fumo é um canudo que se faz de uma folha de palma seca, e tem dentro três e quatro folhas secas de erva-santa, a que os índios
chamam petume, a qual cangoeira atam pela banda mais apertada com o fio, onde estão as folhas de petume, e acendem esta cangoeira pela parte das
folhas de petume, e como tem brasa, a metem na boca, e sorvem para dentro o fumo, que logo lhe entra pelas cachagens
[fossas nasais], mui grosso, e pelas goelas, e sai-lhe pelas ventas fora com muita fúria: como não podem sofrer este fumo, tiram a cangoeira fora da boca. |