Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 7 — Das
ervas medicinais
Capítulo
LXI
Daqui por diante se vai relatando as qualidades das ervas
de virtude que se criam na Bahia, e comecemos logo a dizer da erva-santa e outras ervas semelhantes.
Petume é a erva a que em Portugal chamam santa; onde há muito dela pelas hortas e quintais, pelas grandes mostras que tem dado da sua
virtude, com a qual se têm feito curas estranhas; pelo que não diremos desta erva senão o que é notório e todos, como é matarem com o seu sumo os
vermes que se criam em feridas e chagas de gente descuidada; com a qual se curam também as chagas e feridas das vacas e das éguas sem outra coisa, e
com o sumo desta erva lhe encouram.
Deu na costa do Brasil uma praga no gentio, como foi adoecerem do sesso e criarem bichos nele, da qual doença morreu muita soma desta gente, sem
se entender de quê; e depois que se soube o seu mal, se curaram com esta erva-santa, e se curam hoje em dia os tocados deste mal, sem terem
necessidade de outra mezinha.
A folha desta erva, como é seca e curada, é muito estimada dos índios e mamelucos e dos portugueses, que bebem o fumo dela, ajuntando muitas
folhas destas torcidas umas às outras, e metidas num canudo de folha de palma, e poe-se-lhe o fogo por uma banda, e como faz brasa metem este canudo
pela outra banda na boca, e sorvem-lhe o fumo para dentro até que lhe sai pelas ventas fora.
Todo o homem que se toma do vinho, bebe muito deste fumo, e dizem que lhe faz esmoer o vinho. Afirmam os índios que quando andam pelo mato e lhes
falta o mantimento, matam a fome e a sede com este fumo, pelo que o trazem sempre consigo, e não há dúvida senão que este fumo tem virtude contra a
asma, e os que são doentes dela se acham bem com ele, cuja natureza é muito quente.
Pino é pontualmente na folha, como as que em Portugal chamam figueira-do-inferno. Esta erva dá o fruto em cachos cheios de bagos, tamanhos
como avelãs, todos cheios de bicos; cada um destes bagos tem dentro um grão pardo, tamanho como um feijão, o qual pisado se desfaz todo em azeite,
que serve na candeia; bebido serve tanto como purga de canafístula; e para os doentes de cólica, bebido este azeite, se lhe passa o acidente logo;
as folhas desta erva são muito boas para desafogarem chagas e postemas.
Jeticuçu é uma erva que nasce pelos campos e lança por cima da terra uns ramos como batatas, os quais dão umas sementes pretas como
ervilhacas grandes; deitam estas ervas uma raízes por baixo da terra como batatas, que são maravilhosas para purgar, do que se usa muito na Bahia;
as quais raízes se cortam em talhadas, em verdes, que são por dentro alvíssimas e secam-nas muito bem ao sol; e tomam dessas talhadas, depois de
secas, para cada purga o peso de dois reais de prata, e lançando em vinho ou em água muito bem pisado se dá a beber ao doente de madrugada e faz
maravilhas. Destas raízes se faz conserva em açúcar raladas muito bem, como cidrada, e tomada pela manhã uma colher desta conserva faz-se com ela
mais obra, que com açúcar rosado de Alexandria.
Pecauém são uns ramos que trepam como parra, cuja folha é pequena, redonda e brancacenta; as suas raízes são como de junça brava, mas mais
grossas, as quais têm grande virtude para estancar câmaras; do que se usa tomando uma pequena desta raiz pisada e lançada em água; posta a serenar e
dada a beber ao doente de câmaras de sangue lhas faz estancar logo. |