Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 14 — De
vários himenópteros etc.
Capítulo
CXXIV
Que trata das pulgas e piolhos, e dos bichos que se criam
nos pés.
Pulgas há poucas no Brasil, a que os índios chamam tungaçu, e nenhuns piolhos do corpo entre a gente branca; entre os índios se criam
alguns nas redes em que dormem, como estão sujas, os quais são compridos com feição de pernas, como os piolhos-ladros
[ladros = com muitos pés], e fazem grande comichão no corpo.
Para se arrematar esta parte das informações dos bichos prejudiciais e de nenhum proveito, que se criam na Bahia, convém que se diga que são esses
bichos tão temidos em Portugal, que se metem nos pés da gente, a que os índios chamam tungas, os quais são pretinhos, pouco maiores que ouções
[bichinhos semelhantes a lêndeas].
Criam-se em casas despovoadas, como as pulgas em Portugal, e em casas sujas de negros que as não alimpam, e dos brancos que fazem o mesmo,
mormente se estão em terra solta e de muito pó, nos quais lugares estes bichos saltam como pulgas nas pernas descalças; mas nos pés é a morada a que
eles são mais inclinados, mormente junto das unhas; e como estes bichos entram na carne, logo se sentem como picadas de agulha.
Há alguns que doem ao entrar na carne, e outros fazem comichão como de frieiras; e não andam nas casas sobradadas, nem nas térreas que andam
limpas, nem fazem mal a quem anda calçado; aos preguiçosos e sujos fazem estes bichos mal, que aos outros homens não; porque em os sentindo os tiram
logo com a ponta de alfinete, como quem tira um oução; e os que estão entre as unhas, doem muito ao tirar, porque estão metidos pela carne, os quais
se tiram em menos espaço de uma ave-maria; e de onde saem fica uma covinha, em que põem-lhe uns pós de cinza ou nada, e não se sente mais dor
nenhuma; mas os preguiçosos e sujos, que nunca lavam os pés, deixam estar os bichos neles, onde vêm a crescer e fazerem-se tamanhos como camarinhas
[frutos de urze como gotas de orvalho] e daquela cor; porque estão por dentro todos cheios de lêndeas e como arrebentam vão estas lêndeas lavrando os pés, do que se vêm a fazer grandes
chagas.
No princípio da povoação do Brasil vieram alguns homens a perder os pés, e outros a encherem-se de boubas, o que não acontece agora, porque todos
os sabem tirar, e não se descuidam tanto de si, como faziam os primeiros povoadores.
Daqui
por diante vão arrumados os peixes que se criam no mar da Bahia e nos rios dela.
Pois queremos manifestar as grandezas da Bahia de Todos os Santos, a fertilidade da terra, e abastança dos mantimentos, frutos e caça dela, convém
que se saiba se tem o mar tão abundoso de pescado e marisco como tem a terra do muito que se nela cria, como já fica dito; e porque havemos de
satisfazer a esta obrigação, gastando um pedaço em relatar a diversidade de peixes que este mar e os rios que nele entram criam, comecemos logo no
capítulo seguinte. |