Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 16 — Dos
crustáceos, moluscos, zoófitos, eqüinodermos etc. e dos peixes de água doce
Capítulo
CXLIV
Que trata da natureza e feições dos peixes de água doce.
Não menos são de notar os pescados que se criam nos rios de água doce da Bahia, que os que se criam no mar dela; do que é bem que digamos daqui
por diante.
E comecemos dos eirós
[pixe semelhante à enguia] que há nestes rios, que se criam debaixo das pedras, a que os índios chamam mocim, os quais são da feição e sabor das de Portugal.
Tareiras
[traíras] são peixes tamanhos como mugéns, e maiores; mas são pretos, da cor dos enxarrocos, e têm muitas espinhas, os quais se tomam à linha, nos rios de
água doce; têm boas ovas e nenhuma escama; do que há grandes pescarias.
Juquiás chamam os índios a outros peixes da feição dos safios da Espanha, mas mais pequenos; os quais se tomam às mãos, entre as pedras; o
qual peixe não tem escama, e é mui saboroso.
Tamuatás são outros peixes destes rios que se não escamam, por terem a casca mui grossa e dura, e que se lhe tira fora inteira depois de
assados ou cozidos, os quais se tomam à linha; e é peixe miúdo, muito gostoso e sadio.
Piranha quer dizer "tesoura"; é peixe de rios grandes, e onde o há, é muito; e é da feição dos sargos, e maior, de cor mui prateada; este
peixe é muito gordo e gostoso, e torna-se à linha; mas tem tais dentes que corta o anzol cerce; pelo que os índios não se atrevem a meter na água
onde há este peixe, porque remete a eles muito e morde-os cruelmente; se lhes alcançam os genitais, levam-lhos cerce, e o mesmo faz à caça que
atravessa os rios onde este peixe anda.
Querico é outro peixe de água doce da feição das savelhas, e tem as mesmas espinhas e muitas, e é muito estimado e saboroso, o qual peixe
se toma à linha.
Cria-se nestes rios outro peixe, a que os índios chamam uacari, que são do tamanho e feição das choupas de Portugal, mas têm o rabo agudo,
a cabeça metida nos ombros e duas pontas como cornos; e têm a pele grossa, a qual os índios têm por contrapeçonha para mordeduras de cobras e outros
bichos, o qual se toma a cana.
Tornam-se nestes rios outros peixes, a que os índios chamam piabas, que são pequenos, da feição dos pachões do Rio de Lisboa, o qual é
peixe saboroso e de poucas espinhas. Também se tomam à cana nestes rios outros peixes a que os índios chamam maturaquê, que são pequenos,
largos e muito saborosos. Há outros peixes nos rios, a que os índios chamam guarara, que são como ruivacas, e têm a barriga grande, os quais
se tomam a cana.
Acarás são outros peixes do rio, tamanhos como bezugos, mas têm o focinho mais comprido, que é peixe muito saboroso; o qual se toma à cana.
Há outras muitas castas de peixe nos rios de água doce, que para se escrever houvera-se de tomar muito de propósito mui largas informações, mas
por ora deve de bastar o que está dito para que possamos dizer de algum marisco que se cria na água doce. |