Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 17 — Noticia
etnográfica do gentio tupinambá que povoava a Bahia
Capítulo
CLXIX
Que trata de como os contrários dos tupinambás dão sobre
eles quando se recolhem.
Acontece muitas vezes aos tupinambás, quando se vêm recolhendo para suas casas, dos assaltos que deram em seus contrários, ajuntar-se grande soma
deles, e virem-lhes no alcance até lhes não poderem fugir; e ser-lhes necessário esperá-los, o que fazem ao longo da água, onde se fortificam
fazendo sua cerca de caiçá; o que fazem com muita pressa para dormirem ali seguros de seus contrários, mas com boa vigia; onde muitas vezes são
cercados e apertados dos contrários; mas os cercados vêem por detrás desta cerca a quem está de fora, para empregarem todas as suas flechas à
vontade, e os de fora não vêem quem lhes atira; e se não vêm apercebidos para os abalroarem, ou de mantimentos, para continuarem com o cerco, se
tornam a recolher, por não poderem abalroar aos tupinambás como queriam.
E estes assaltos, que os tupinambás vão dar aos tupinaés e outros contrários seus, lhes acontece também a eles por muitas vezes, do que ficam
muito maltratados, se não são avisados primeiro, e apercebidos; mas as mais das vezes eles são os que ofendem a seus inimigos, e são mais prevenidos
quando vêem nestas afrontas [cansaço, extenuação] de mandar pedir socorro a seus vizinhos, e lho vêem logo dar com muita presteza.
Quando os tupinambás estão cercados de seus contrários, as pessoas de mais autoridade dentre eles lhes andam pregando de noite para que se
esforcem e pelejem como bons cavaleiros, e que não temam seus contrários, porque muito depressa se verão vingados deles porque lhes não tardará o
socorro muito; e as mesmas pregações costumam fazer quando eles têm cercado seus contrários, e os querem abalroar; e antes que dêem o assalto,
estando juntos todos à noite atrás, passeia o principal de redor dos seus, e lhes diz em altas vozes o que hão de fazer, e os avisa para que se
apercebam, e estejam alerta; e as mesmas pregações lhes faz, quando andam fazendo as cercas de caiçá, para que se animem, e façam aquela obra com
muita pressa; e quando os tupinambás pelejam no campo, andam saltando de uma banda para outra, sem estarem nunca quedos, assobiando, dando com a mão
no peito, guardando-se das flechas que lhes lançam seus contrários, e lançando-lhes as suas com muita fúria. |