Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
PRIMEIRA PARTE - ROTEIRO GERAL DA COSTA BRASÍLICA
Capítulo XLVI
Em que se declara, em suma, quem são os papanases e seus
costumes.
Parece conveniente este lugar para brevemente se dizer quem são os papanases, de quem atrás fizemos menção, e porque passamos o limite de sua
vivenda nos tempos antigos, não é bem que os guardemos para mais longe.
Este gentio, como fica dito, viveu ao longo do mar entre a capitania de Porto Seguro e a do Espírito Santo, donde foi lançado, pelos tupiniquins,
seus contrários, e pelos goitacases, que também o eram, e são hoje, seus inimigos, e uns e outros lhe fizeram tão cruel guerra que os fizeram sair
para o sertão, onde agora têm sua vivenda, cuja linguagem entendem os tupiniquins e goitacases, ainda que mal.
Este gentio dorme no chão, sobre folhas, como os goitacases; também não se ocupa em grandes lavouras; mantêm-se estes selvagens de caça e peixe do
rio, que matam; os quais são grandes flecheiros e pelejam com arcos e flechas, andam nus como o mais gentio, não consentem cabelos nenhuns no corpo,
senão os da cabeça, pintam-se e enfeitam-se com penas de cores dos pássaros; cantam e bailam; têm muitas gentilidades, das que usam os tupinambás;
mas, entre si, têm um costume que não é tão bárbaro, como todos os outros que todo o gentio costuma, que é, se um índio destes mata outro da mesma
geração em alguma briga, ou por desastre, são obrigados os parentes do matador a entregá-lo aos parentes do morto, que logo o afogam e o enterram,
estando uns e outros presentes, e todos neste ajuntamento fazem grande pranto, comendo e bebendo todos juntos por muitos dias, e assim ficam todos
amigos; e sendo o caso que o matador fuja, de maneira que os parentes não o possam tomar, lhe tomam um filho ou filha, se o tem, ou irmão, e se não
tem nem um nem outro, entregam pelo matador o parente mais chegado, ao qual não matam, mas fica cativo do mais próximo parente do morto, e com isso
ficam todos contentes e amigos como o eram antes do acontecimento do morto. |