Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 18 —
Informações etnográficas acerca de outras nações vizinhas da Bahia, como tupinaés, aimorés, amoipiras, ubirajaras etc.
Capítulo
CLXXXI
Que trata da vida e costumes dos amoipiras.
Têm os amoipiras a mesma linguagem dos tupinambás; e a diferença que têm é em alguns nomes próprios, que no mais entendem-se muito bem; e têm os
mesmos costumes e gentilidades; mas são atraiçoados
[traiçoeiros] e de nenhuma fé, nem verdade.
Na terra onde este gentio vive estão mui faltos de ferramentas, por não terem comércio com os portugueses; e apertados da necessidade cortam as
árvores com umas ferramentas de pedra, que para isso fazem; com o que, ainda que com muito trabalho, roçam o mato para fazerem suas roças; do que
também se aproveitava antigamente todo o outro gentio, antes que comunicasse com gente branca.
E para plantarem na terra a sua mandioca e legumes, cavam nela com uns paus tostados agudos, que lhes servem de enxadas. Os quais amoipiras trazem
o cabelo da cabeça copado e aparado ao longo das orelhas, e as mulheres trazem os cabelos compridos como os tupinambás. Pesca este gentio com uns
espinhos tortos que lhe servem de anzóis, com que matam muito peixe, e a flecha, para o que são mui certeiros, e para matarem muita caça.
Trazem os amoipiras os beiços furados e pedras neles como os tupinambás; pintam-se de jenipapo, e enfeitam-se como eles; e usam na guerra tambores
que fazem de um só pau, que cavam por dentro com fogo tanto até que ficam mui delgados, os quais toam muito bem; na mesma guerra usam de trombetas
que fazem de uns búzios grandes furados, ou da cana da perna das alimárias que matam, a qual lavram e engastam num pau.
Em tudo o mais seguem os costumes dos tupinambás, assim na guerra como na paz, dos quais fica dito largamente no seu título. Estes amoipiras têm
por vizinhos no sertão detrás de si outro gentio, a que chamam ubirajaras, com quem têm guerra ordinariamente, e se matam e comem uns aos outros com
muita crueldade, sem perdoarem as vidas, quando se cativam. |