Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 13 — Da
herpetogratia e dos batráquios e vários outros
Capítulo
CXI
Que trata das cobras de coral e das jararacas.
Pelos matos e ao redor das casas se criam umas cobras a que os índios chamam jararacas; as maiores são de sete e oito palmos de comprido, e
são pardas e brancacentas nas costas, as quais se põem às tardes ao longo dos caminhos esperando a gente que passa, e em lhes tocando com o pé lhes
dão tal picada que se lhes não acodem logo com algum defensivo, não dura o mordido vinte e quatro horas.
Estas cobras se põem também em ramos de árvores junto dos caminhos para morderem à gente, o que fazem muitas vezes aos índios, e quando mordem
pela manhã tem a peçonha mais força, como a víbora; as quais mordem também as éguas e vacas, do que morrem algumas, sem se sentir de quê, senão
depois que não tem mais remédio.
Têm estas cobras nos dentes presas, as quais mordem de ilhargas; e aconteceu na capitania dos Ilhéus morder uma destas cobras um homem por cima da
bota, e não sentir coisa que lhe doesse, e zombou da cobra, mas ele morreu ao outro dia; e vendendo-se o seu fato em leilão comprou outro homem as
botas e morreu em vinte quatro horas com lhe incharem as pernas; pelo que se buscaram as botas, e acharam nelas a ponta do dente, como de uma
agulha, que estava metida na bota; no que se viu claro que estas jararacas têm a peçonha nos dentes. Essas cobras se criam entre pedras e
paus podres, e mudam a pele cada ano; cuja carne os índios comem.
Ububocas são outras cobras assim chamadas do tamanho das jararacas, mas mais delgadas, a que os portugueses chamam de coral, por que
têm cobertas as peles de escamas grandes vermelhas e quadradas, que parecem coral; e entre uma escama e outra vermelha, têm uma preta pequena.
Estas cobras não remetem à gente, mas se lhe tocam picam logo com os dentes dianteiros e são as suas mordeduras mais peçonhentas que as da
jararaca, e de maravilha escapa pessoa mordida delas. E quando estão enroscadas no chão parece um ramal de corais; e houve homem que tomou uma
que estava dormindo, e meteu-a no seio, cuidando serem corais, e não lhe fez mal; as quais criam debaixo de penhascos, e da rama seca. |