Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 19 —
Recursos da Bahia para defender-se
Capítulo
CLXXXVII
Em que se declara a pedra que tem a Bahia para se poder
fortificar.
A primeira coisa que convém para se fortificar a Bahia é que tem pedra de alvenaria e cantaria, de que há em todo o seu circuito muita comodidade,
e grande quantidade para se poder fazer grandes muros, fortalezas e outros edifícios; porque de redor da cidade há muita pedra preta, assim ao longo
do mar como pela terra, a qual é de pedreiras boas de quebrar, com a qual se fazem paredes mui bem liadas; e pelos limites desta cidade há muita
pedra molar, como a de alvenaria de Lisboa, com que se faz boa obra; e ao longe do mar, meia légua da cidade, e em muitos lugares mais afastados, há
muitas lagoas de pedra mole como tufo, de que se fazem cunhais em obra de alvenaria, com as quais se liam os edifícios que se na terra fazem, e se
afeiçoam os cunhais destas lajes com pouco trabalho, por estarem cortados pela natureza conforme o para que são necessários.
Quando se edificou a cidade do Salvador, se aproveitaram os edificadores e povoadores dela de uma pedra cinzenta boa de lavrar, que iam buscar por
mar ao porto de Itapitanga, que está sete léguas da cidade na mesma Bahia, da qual fizeram as colunas da Sé, portais e cunhais e outras obras de
meio relevo, e muitas campas e outras obras proveitosas; mas depois se descobriu outra pedreira melhor, que se arranca dos arrecifes que se cobrem
com a preamar da maré de águas vivas ao longo do mar, a qual pedra é alva e dura, que o tempo nunca gasta, mas trabalhosa de lavrar que gasta as
ferramentas muito; de que se fazem obras mui primas e formosas, e campas de sepulturas mui grandes; e parece a quem isso tem atentado que esta pedra
se faz da areia congelada; porque ao longo dos mesmos arrecifes, bem chegados a eles, é tudo rochedo de pedra preta, e est'outra é muito branca,
depois de lavrada; mas não é muito macia, a qual quando a lavram faz sempre uma grã areenta, e acham-se muitas vezes no âmago destas pedras cascas
de ostras e de outro marisco, e uns seixinhos de areia, pelo que se tem que esta pedra se formou de areia e que se congelou com a frialdade da água
do mar, o que é fácil de crer, porque se acham por estas praias limos enfarinhados de areia, que está congelada e dura como pedra, e alguns paus de
ramos de árvores também cobertos desta massa tão dura como se foram de pedra. |