Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
PRIMEIRA PARTE - ROTEIRO GERAL DA COSTA BRASÍLICA
Capítulo XXXVI
Em que se declara quem povoou a capitania de Porto
Seguro.
Não é bem que passemos mais avante sem declararmos cuja é esta capitania do Porto Seguro, e quem foi o povoador dela, da qual fez el-rei d. João
III de Portugal mercê a Pedro de Campos Tourinho, que foi um cavaleiro natural da vila de Viana da foz de Lima, homem nobre, esforçado, prudente, e
muito visto na arte de marear; cuja doação foi de cinqüenta léguas de costa, como as mais que ficam declaradas.
Para Pedro do Campo poder povoar esta capitania vendeu toda sua fazenda e ordenou à sua custa uma frota de navios, que fez prestes, na qual se
embarcou com sua mulher, Inês Fernandes Pinto e filhos, e muitos moradores, casados, seus parentes e amigos, e outra muita gente, com a qual se
partiu do porto de Viana.
E com bom tempo foi demandar a terra do Brasil, e foi tomar porto no Rio de Porto Seguro onde desembarcou com sua gente, e se fortificou no mesmo
lugar, onde agora está a vila cabeça desta capitania, a qual em tempo de Pedro do Campo floresceu, e foi mui povoada de gente; o qual edificou,
mais, a vila de Santa Cruz e a de Santo Amaro, de que já falamos; e em seu tempo se ordenaram alguns engenhos de açúcar, no que teve nos primeiros
anos muito trabalho com a guerra que lhe fez o gentio tupiniquim, que vivia naquela terra, o qual lha fez tão cruel, que o teve cercado por muitas
vezes, e posto em grande aperto, com o que lhe mataram muita gente; mas, como assentaram pazes, ficou o gentio quieto, e daí por diante ajudou aos
moradores fazer suas roças e fazendas, a troco do resgate que por isso lhe davam.
Por morte de Pedro do Campo ficou esta capitania mal governada com seu filho Fernão do Campo Tourinho, e após ele durou pouco, e se começou logo a
desbaratar, a qual herdou uma filha de Pedro do Campo, que se chamou Leonor do Campo, que nunca casou.
Essa Leonor do Campo, com licença del-rei, vendeu esta capitania a d. João de Alencastro, primeiro duque de Aveiro, por cem mil-réis de juro, o
qual a favoreceu muito com gente e capitão que a governasse, e com navios que ela todos os anos mandava, e com mercadorias; onde mandou fazer, à sua
custa, engenho de açúcar, e provocou a outras pessoas de Lisboa a que fizessem outros engenhos, em cujo tempo os padres da companhia edificaram na
vila de Porto Seguro um mosteiro, onde residem sempre dez ou doze religiosos, que governam ainda agora algumas aldeias de tupiniquins cristãos, que
estão nesta capitania; na qual houve, em tempo do duque, sete ou oito engenhos de açúcar, onde se lavrava cada ano muito, que se trazia a este
reino, e muito pau de tinta, de que na terra há muito.
Nesta capitania se não deu nunca gado vacum por respeito de certa erva, que lhe faz câmaras, de que vem a morrer; mas dá-se à outra criação — de
éguas, jumentos e cabras — muito bem; e de jumentos há tanta quantidade na terra, que andam bravos pelo mato em bandos, e fazem nojo às novidades;
os quais ficaram no campo dos moradores, que desta capitania se passaram para as outras, fugindo dos aimorés, no qual tem feito tamanha destruição,
que não tem já mais que um engenho que faça açúcar, por terem mortos todos os escravos dos outros e muitos portugueses, pelo que estão despovados e
postos por terra, e a vila de Santo Amaro e a de Santa Cruz quase despovoadas de todo; e a vila de Porto Seguro está mais danificada e falta de
moradores, na qual se dão as canas-de-açúcar muito bem; e muitas uvas, figos, romãs, e todas as frutas de espinho, onde a água de flor é finíssima,
e se leva à Bahia, a vender por tal.
Esta capitania parte com a dos Ilhéus pelo Rio Grande pouco mais ou menos; e pela outra parte com a do Espírito Santo, de Vasco Fernandes
Coutinho, para onde imos caminhando. |