Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
PRIMEIRA PARTE - ROTEIRO GERAL DA COSTA BRASÍLICA
Capítulo XXIII
Que trata do Rio Real e seus merecimentos.
Parece que quem tem tamanho nome como o Rio Real, que deve de ter merecimentos capazes dele, os quais convém que venham a terreiro, para que
cheguem à notícia de todos. E comecemos na altura, em que está, que são doze graus escassos; a barra deste rio terá de ponta a ponta meia légua, na
qual tem dois canais, por onde entram navios da costa de quarenta toneladas, e pela barra do Sudoeste podem entrar navios de sessenta tonéis,
estando com as balizas necessárias, porque tem dois mares em flor; da barra para dentro tem o rio muito fundo, onde se faz uma baía de mais de uma
légua, onde os navios têm grande abrigada com todos os tempos, na qual há grandes pescarias de peixe-boi, e de toda a outra sorte de pescado, e tem
muito marisco.
Entra a maré por este rio acima seis ou sete léguas, e divide-se em três ou quatro esteiros onde se vêm meter outras ribeiras de água doce. Até
onde chega o salgado, é a terra fraca e pouca dela servirá de mais que de criação de gado; mas donde se acaba a maré para cima é a terra muito boa e
capaz para dar todas as novidades do que lhe plantarem, na qual se podem fazer engenhos de açúcar, por se darem nela as canas muito bem.
Pelo sertão deste rio há muito pau-brasil, que com pouco trabalho todo pode vir ao mar, para se poder carregar para estes reinos. E para que esta
costa esteja segura do gentio, e os franceses desenganados de não poderem vir resgatar com ele entre a Bahia e Pernambuco, convém ao serviço de Sua
Majestade que mande povoar e fortificar este rio, o que se pode fazer com pouca despesa de sua Fazenda, do que já el-rei d. Sebastião, que está em
glória, foi informado, e mandou muito afincadamente a Luís de Brito, que neste tempo governava este Estado, que ordenasse com muita brevidade como
se povoasse este rio, no que ele meteu todo o cabedal, mandando a isso Garcia d'Ávila, que é um dos principais moradores da Bahia, com muitos homens
das ilhas e da terra, para que assentassem uma povoação onde parecesse melhor; o que fez pelo rio acima três léguas, onde o mesmo governador foi em
pessoa com a força da gente que havia na Bahia, quando foi dar guerra ao gentio daquela pane, o qual passou por esta nova povoação, de cujo sítio
ele e toda a companhia se descontentaram, e com razão, porque estava longe do mar, para se valerem da fartura dele, e longe da terra boa, que lhe
pudesse responder com as novidades costumadas.
Donde se afastarem por temerem o gentio que por ali vivia, ao qual Luís de Brito deu tal castigo, naquele tempo, como se não deu naquelas partes,
por que mandou destruir os mais valorosos e maiores dos corsários capitães daquele gentio, que nunca houve naquela costa, sem lhe custar a vida a
mais que a dois escravos, os quais principais do gentio foram mortos, e os seus que escaparam com vida ficaram cativos. E quando o governador
recolheu, se despovoou este princípio de povoação, sem se tornar mais a bulir nisto, por se entender ser necessário fazer-se uma casa forte à custa
de Sua Majestade, a qual Luís de Brito não ordenou por ser chegado o cabo de seu tempo, e suceder-lhe Lourenço da Veiga, que não buliu neste negócio
pelos respeitos, que não são sabidos, para se aqui declararem. |