Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 17 — Noticia
etnográfica do gentio tupinambá que povoava a Bahia
Capítulo
CL
Em que se declara o modo e a linguagem dos tupinambás.
Ainda que os tupinambás se dividiram em bandos, e se inimizaram uns com outros, todos falam uma língua que é quase geral pela costa do Brasil, e
todos têm uns costumes em seu modo de viver e gentilidades; os quais não adoram nenhuma coisa, nem têm nenhum conhecimento da verdade, nem sabem
mais que há morrer e viver; e qualquer coisa que lhes digam, se lhes mete na cabeça, e são mais bárbaros que quantas criaturas Deus criou.
Têm muita graça quando falam, mormente as mulheres; são mui compendiosas na forma da linguagem, e muito copiosos no seu orar; mas faltam-lhes três
letras das do ABC, que são F, L, R grande ou dobrado, coisa muito para se notar; porque, se não têm F, é porque não têm fé em nenhuma coisa que
adorem; nem os nascidos entre os cristãos e doutrinados pelos padres da Companhia têm fé em Deus Nosso Senhor, nem têm verdade, nem lealdade a
nenhuma pessoa que lhes faça bem.
E se não têm L na sua pronunciação, é porque não têm lei alguma que guardar, nem preceitos para se governarem; e cada um faz lei a seu modo, e ao
som da sua vontade; sem haver entre eles leis com que se governem, nem têm leis uns com os outros.
E se não têm esta letra R na sua pronunciação, é porque não têm rei que os reja, e a quem obedeçam, nem obedecem a ninguém, nem ao pai o filho,
nem o filho ao pai, e cada um vive ao som da sua vontade; para dizerem Francisco dizem Pancico, para dizerem Lourenço dizem Rorenço, para dizerem
Rodrigo dizem Rodigo; e por este modo pronunciam todos os vocábulos em que entram essas três letras. |