Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 3 — Da
enseada da Bahia, suas ilhas, recôncavos, ribeiros e engenhos
Capítulo XXVI
Em que se declara a grandeza do Rio Paraguaçu e os seus
engenhos na terra de el-rei.
Este Rio de Paraguaçu é mui caudaloso e terá na boca de terra à terra um tiro de falcão, pelo qual entra a maré, que sobe por ele acima seis
léguas; e de uma banda e da outra até a Ilha dos Franceses, que são duas léguas, é a terra alta e fraca e mal povoada, salvo de alguns currais de
vacas.
Da barra deste rio para dentro está uma ilha de meia légua de comprido e de quinhentas braças de largo e há partes de menos, a qual se chama de
Gaspar Dias Barbosa, cuja terra é baixa e fraca.
E tornando acima no cabo destas duas léguas está uma ilha, que chamam dos Franceses, mui alterosa, que terá em roda seiscentas braças, onde eles
em tempos atrás chegavam com suas naus por ter fundo para isso, e estavam nesta ilha seguros do gentio, com o qual faziam dela seus resgates à
vontade.
Desta ilha para cima se abre uma formosa baía, até a boca do Rio da Água Doce, que serão duas léguas; e defronte desta Ilha dos Franceses está uma
casa de meles de Antônio Peneda.
E saindo desta ilha para fora, pondo a vista sobre a mão direita, faz este rio um recôncavo de três léguas, coisa mui formosa, a que chamam Uguape;
e olhando pela mão esquerda se estende perto de duas léguas, parte das quais estão ocupadas com três ilhéus despovoados, mas cheios de arvoredo, que
se podem povoar, e de uma Ilha de Antônio de Paiva, que está aproveitada com canaviais, onde a terra firme se vai apertando, que ficará acima desta
ilha o rio de terra a terra uma meia légua.
Mas, tornando à casa de meles de Antônio Peneda, virando dela para a enseada de Uguape
[Iguape], sobre a mão direita, daqui a duas léguas, é a terra fraca e não serve senão para currais de vacas. No meio deste caminho está uma ilha rasa, que
Antônio Dias Adorno teve já cheia de mantimentos; além da qual está outra ilha, que chamam da Ostra; de onde se tem tirado tanta quantidade que se
fizeram de ostras mais de dez mil moios de cal e vai-se cada dia tirando tanta que faz espanto, sem se acabar.
No cabo destas léguas começa a terra boa, que está povoada até o engenho de Antônio Lopes Ulhoa, de muitos canaviais e formosas fazendas, no que
haverá espaço de uma légua. Este engenho mói com grande aferida, e está mui ornado com edifícios de pedra e cal, e a ribeira com que mói se chama
Ubirapitanga.
E indo deste engenho para cima, sobre a mão direita ao longo do salgado, vai povoada a terra de fazendas e canaviais, em que entra uma casa de
meles de Antônio Rodrigues, e andando assim até junto do Rio da Água Doce do Paraguaçu, que podem ser duas léguas, vão dar com o notável e bem
assentado engenho de João de Brito de Almeida, que está senhoreando esta baía com a vista, o qual engenho é de pedra e cal, e tem grandes edifícios
de casas, e muito formosa igreja de São João, de pedra e cal, o qual engenho tem mui grande aferida e mói com ribeira que vem a este sítio por uma
levada de uma légua, feita toda por pedra viva ao picão, com suas açudadas, com muros e botaréus de pedra e cal, coisa muito forte.
E antes de se chegar a este engenho, junto da terra dele três ilhéus de areia pequenos, cheios de mangues, onde se vai mariscar. Acima deste
engenho, um tiro de berço dele, entra nesta baía, que este rio aqui faz, o Rio da Água Doce do Paraguaçu, o qual terá na boca de terra a terra um
tiro de falcão de espaço, e navega-se por ele acima até a cachoeira que pode ser a três léguas, com barcos grandes; e indo por ele acima sobre a mão
direita tem poucas fazendas, por ser a terra do engenho de João de Brito.
E antes de chegarem à cachoeira, à vista dele, está outro engenho de água mui bem acabado, o qual fez um Rodrigo Martins, mameluco, por sua conta,
e de Luís de Brito de Almeida, junto do qual vivem muitos mamelucos com suas fazendas. |