Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 18 —
Informações etnográficas acerca de outras nações vizinhas da Bahia, como tupinaés, aimorés, amoipiras, ubirajaras etc.
Capítulo
CLXXIX
Que trata de alguns costumes e trajes dos tupinaés.
Costumam entre os tupinaés trazerem os homens os cabelos da cabeça compridos até lhes cobrirem as orelhas, muito aparados sobre elas, e desafogado
por diante; e outros o trazem copado sobre as orelhas, como crenchas
[tranças]; e alguns tosquiam a dianteira até as orelhas sobre péntem, e por detrás o cabelo comprido; e a seu modo, de uma maneira e outra, fica muito
afeiçoado.
São os tupinaés mais fracos de ânimo que os tupinambás, de menos trabalho, de menos fé e verdade; são músicos de natureza, e grandes cantores de
chacotas, quase pelo modo dos tupinambás; bailam, caçam e pescam como eles, e pelejam em saltos, como eles; mas não são pescadores no mar, como se
acham nele, pelo não haverem em costume, por ser gente do sertão, e esmorecerem; e não pescam senão nos rios de água doce.
Estes tupinaés andaram antigamente correndo toda a costa do Brasil, de onde foram sempre lançados do outro gentio, com quem ficavam vizinhando,
por suas ruins condições; do que ficaram mui odiados de todas as outras nações do gentio.
Traz esse gentio os beiços furados, e pedras neles e no rosto, como os tupinambás; e, ainda, se fazem mais furos nele, e se fazem mais bizarros; e
quando se enfeitam o fazem na forma dos tupinambás, e trazem ao pescoço colares de dentes dos contrários como eles, e na guerra usam dos mesmos
tambores, trombetas, buzinas que costumam trazer os tupinambás; os quais são muito mais sujeitos ao pecado nefando do que são os tupinambás, e os
que servem de machos se prezam disso, e o tratam, quando se dizem seus louvores.
Quando este gentio anda algum caminho, ou se acha em parte onde lhe falta fogo, esfregando um pau rijo que para isso trazem com flechas fendidas,
fazem acender esfregando muito com as mãos até que se levanta labareda; o qual logo pega nas flechas, e desta maneira se remedeiam; do que também se
aproveitam os tupinambás, quando têm necessidade de fogo.
Estes tupinaés são os fronteiros dos tupinambás, com os quais foram sempre apertando até que os fizeram ir vizinhar com os tapuias, com quem têm
sempre guerra sem entenderem em outra coisa, da qual saem como lhes ordena a fortuna.
Deste gentio tupinaé há já muito pouco, em comparação do muito que houve, o qual se consumiu com fomes e guerras que tiveram com seus vizinhos, de
uma parte e da outra.
Costumam estes índios nos seus cantares tangerem com um canudo de uma cana de seis a sete palmos de comprido, e tão grosso que cabe um braço, por
grosso que seja, por dentro dele; o qual canudo é aberto pela banda de cima, e quando o tangem vão tocando com o fundo do canudo no chão, e toa
tanto como os seus tambores, da maneira que eles os tangem. |