Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 4 — Da
agricultura da Bahia
Capítulo
XLIX
Daqui por diante se dirá das árvores de fruto, começando
nos cajus e cajuís.
Convém tratar daqui por diante das árvores de fruto naturais da Bahia, águas vertentes ao mar e à vista dele; e demos o primeiro lugar e capítulo
por si aos cajueiros, pois é uma árvore de muita estima, e há tantos ao longo do mar e na vista dele.
Estas árvores são como figueiras grandes, têm a casca da mesma cor, e a madeira branca e mole como figueira, cujas folhas são da feição da
cidreira e mais macias. As folhas dos olhos novos são vermelhas, muito brandas e frescas, a flor é como a do sabugueiro, de bom cheiro, mas muito
breve. A sombra destas árvores é muito fria e fresca, o fruto é formosíssimo; algumas árvores dão fruto vermelho e comprido, outras o dão da mesma
cor e redondo.
Há outra casta que dá o fruto da mesma feição, mas a partes vermelho e noutras de cor almecegada; há outras árvores que dão o fruto amarelo e
comprido como peros d'el-rei, mas são em tudo maiores que os peros e da mesma cor.
Há outras árvores que dão este fruto redondo, e uns e outros são muito gostosos, sumarentos e de suave cheiro, os quais se desfazem todos em água.
A natureza destes cajus é fria, e são medicinais para doentes de febres, e para quem tem fastio, os quais fazem bom estômago e muitas pessoas lhes
tomam o sumo pelas manhãs em jejum, para conservação do estômago, e fazem bom bafo a quem os come pela manhã, e por mais que se coma deles não fazem
mal a nenhuma hora do dia, e são de tal digestão que em dois credos se esmoem.
Os cajus silvestres travam junto do olho que se lhes bota fora, mas os que se criam nas roças e nos quintais comem-se todos sem terem que lançar
fora por não travarem. Fazem-se estes cajus de conserva, que é muito suave, e para se comerem logo cozidos no açúcar cobertos de canela não têm
preço. Do sumo desta fruta faz o gentio vinho, com que se embebeda, que é de bom cheiro e saboroso.
É para notar que no olho deste pomo tão formoso cria a natureza outra fruta, parda, a que chamamos castanha, que é da feição e tamanho de um rim
de cabrito, a qual castanha tem a casca muito dura e de natureza quentíssima e o miolo que tem dentro; deita essa casca um óleo tão forte que aonde
toca na carne faz empola, o qual óleo é da cor de azeite, e tem o cheiro mui forte. Tem esta castanha o miolo branco, tamanho como o de uma amêndoa
grande, a qual é muito saborosa, e quer arremedar no sabor aos pinhões, mas é de muita vantagem.
Destas castanhas fazem as mulheres todas as conservas doces que costumam fazer com as amêndoas, o que tem graça na suavidade do sabor; o miolo
destas castanhas, se está muitos dias fora da casca, cria ranço do azeite que tem em si; quando se quebram estas castanhas para lhes tirarem o
miolo, faz o azeite que tem na casca pelar as mãos a quem as quebra.
Estas árvores se dão em areia e terras fracas, e se as cortam tornam logo a rebentar, o que fazem poucas árvores nestas partes. Cria-se nestas
árvores uma resina muito alva, da qual as mulheres se aproveitam para fazerem alcorça de açúcar em lugar de alquitira.
Nascem estas árvores das castanhas, e em dois anos se fazem mais altas que um homem, e no mesmo tempo dão fruto, o qual, enquanto as árvores são
novas, é avantajado no cheiro e sabor.
Há outra casta desta fruta, que os índios chamam cajuí, cuja árvore é nem mais nem menos que a dos cajus, senão quanto é muito mais
pequena, que lhe chega um homem do chão ao mais alto dela a colher-lhe o fruto, que é amarelo, mas não é maior que as cerejas grandes, e tem
maravilhoso sabor com a pontinha de azedo, e criam também sua castanha na ponta, as quais árvores se não dão ao longo do mar, mas nas campinas do
sertão, além da caatinga. |