Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 7 — Das
ervas medicinais
Capítulo
LXII
Em que se declara o modo com que se cria o algodão, e de
sua virtude, e de outras ervas que fazem árvore.
Maniim chamam os índios ao algodão, cujas árvores parecem marmeleiros arruados em pomares; mas a madeira dele é como de sabugueiro, mole e
oca por dentro; a folha parece de parreira, com o pé comprido, vermelho, com o sumo da qual se curam feridas espremendo nelas.
A flor do algodão é uma campainha amarela muito formosa, de onde nasce um capulho, que ao longe parece uma noz verde, o qual se fecha com três
folhas grossas e duras, da feição das com que se fecham os botões das rosas; e como o algodão está de vez, que é de agosto por diante, abrem-se
estas folhas, com que se fecham estes capulhos, e vão-se secando e mostrando o algodão que têm dentro, muito alvo, e se não o apanham logo, cai no
chão; e em cada capulho destes estão quatro de algodão, cada um do tamanho de um capulho de seda; e cada capulho destes tem dentro um caroço preto,
com quatro ordens de carocinhos pretos, e cada carocinho é tamanho e da feição do feitio
[excremento] dos ratos, que é a semente de onde o algodão nasce, o qual no mesmo ano que se semeia dá a novidade.
Estes caroços de algodão come o gentio pisados, e depois cozidos, que se faz em papas que chamam mingau. As árvores destes algodoeiros duram sete
a oito anos e mais, quebrando-lhe cada ano as pontas grandes a mão, porque se secam, para que lancem outros filhos novos, em que tomam mais
novidade, os quais algodões se alimpam a enxada, duas e três vezes cada ano, para que a erva os não acanhe.
Camará é uma erva que nasce pelos campos, que cheira a erva-cidreira, a qual faz árvore com muitos ramos como de roseira-de-Alexandria;
cuja madeira é seca e quebradiça, a folha é como de erva-cidreira; as flores são como cravos-de-Túnis, amarelos e da mesma feição, mas de feitio
mais artificioso. Cozidas as folhas e flores desta erva, tem a sua água muito bom cheiro e virtude para sarar sarna e comichão, e para secar chagas
de boubas lavando-as com esta água quente, do que se usa muito naquelas partes.
Há outra casta deste camará, que dá flores brancas da mesma feição, a qual tem a mesma virtude; e como cai a flor, assim a uma como a outra,
ficam-lhe umas camarinhas denegridas, que comem os meninos e os passarinhos, que é a semente, de que esta erva nasce.
Nas campinas da Bahia se dão urzes de Portugal, da mesma feição, assim nos ramos como na flor, mas não dão camarinhas; dos quais ramos, cozidos na
água, se aproveitam os índios para secar qualquer humor ruim.
Às canas da Bahia chama o gentio ubá, as quais têm folhas como as da Espanha, é as raízes da mesma maneira que lavram a terra muito; as
quais, cozidas em água, têm a mesma virtude dessecativa que as da Espanha. Estas canas são compridas, cheias de nós por fora e maciças por dentro,
ainda que têm o miolo mole e estopento. Espigam estas canas cada ano, cujas espigas são de quinze e vinte palmos de comprido, de que os índios fazem
flechas com que atiram. E também se dão na Bahia as canas da Espanha, mas não crescem tanto como as da terra.
Jaborandi é uma erva que faz árvore da altura de um homem, e lança umas varas em nós, como canas, por onde estalam muito como as apertam; a
folha será de palmo de comprido, e da largura da folha da cidreira, a qual cheira a hortelã francesa, e tema aspereza da hortelã ordinária; a água
cozida com estas folhas é loura e muito cheirosa e boa para lavar o rosto ao barbear; quem tem a boca danada, ou chagas nela, mastigando as folhas
desta erva duas ou três vezes cada dia, e trazendo-a na boca, a cura muito depressa; queimadas estas folhas, os pós delas alimpam o câncer das
feridas, sem dar nenhuma pena, e tem outras muitas virtudes. Esta erva dá umas candeias como castanheiros, onde se cria a semente de que nasce.
Nascem outras ervas pelo campo, a que chamam os índios caapiam, que têm flores brancas da feição dos bem-me-queres, onde há umas sementes
como gravanço; das quais e das flores se faz tinta amarela como açafrão muito fino, do que usam os índios no seu modo de tintas. A árvore que faz
esta erva é como a do alecrim, e tem a folha mole, e a cor verde-claro, como alface.
Dão-se ao longo da ribeira da Bahia umas ervas, a que os índios chamam jaborandiba; e dão o mesmo nome da de cima, por se parecer nos ramos
com ela; e os homens que andaram na Índia lhe chamam bétele, por se parecer em tudo com ele.
A folha desta erva, metida na boca, requeima como folhas de louro, a qual é muito macia, e tem o verde muito escuro. A árvore que faz esta erva é
tão alta como um homem, os ramos têm muitos nós, por onde estala muito. Quem se lava com ela cozida nas partes eivadas do fígado, lhas cura em
poucos dias; e cozidos os olhos e comestos, são saníssimos para este mal do fígado; e mastigadas estas folhas e trazidas na boca, tiram a dor de
dentes. |