Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
PRIMEIRA PARTE - ROTEIRO GERAL DA COSTA BRASÍLICA
Capítulo LVIII
Em que se declara quem é o gentio tamoio de que tanto
falamos.
Ainda que pareça ser já fora do seu lugar tratar aqui do gentio tamoio, não lhe cabia outro, por a costa da terra que eles senhorearam passar além
do Rio de Janeiro até Angra dos Reis, pelo que se não podia dizer deles em outra parte mais acomodada.
Estes tamoios, ao tempo que os portugueses descobriram esta província do Brasil, senhoreavam a costa dele desde o rio do Cabo de São Tomé até a
Angra dos Reis; do qual limite foram lançados para o sertão, onde agora vivem. Este gentio é grande de corpo e muito robusto, são valentes homens e
mui belicosos, e contrários de todo o gentio senão dos tupinambás, de quem se fazem parentes, cuja fala se parece muito uma com a outra, e têm as
mesmas gentilidades, vida e costumes, e são amigos uns dos outros.
São estes tamoios mui inimigos dos goitacases, de quem já falamos, com quem partem, segundo já fica dito, e cada dia se matam e comem uns aos
outros. Por esta outra parte de São Vicente partem com os guaianases, com quem também têm contínua guerra, sem se perdoarem.
Pelejam estes índios com arcos e flechas, no que são muito destros, e grandes caçadores e pescadores de linha, e grandes mergulhadores, e à flecha
matam também muito peixe, de que se aproveitavam quando não tinham anzóis. As suas casas são mais fortes que as dos tupinambás e do outro gentio, e
têm as suas aldeias mui fortificadas com grandes cercas de madeira.
São havidos estes tamoios por grandes músicos e bailadores entre todo o gentio, os quais são grandes componedores de cantigas de improviso, pelo
que são mui estimados do gentio, por onde quer que vão. Trazem os beiços furados e neles umas pontas de osso compridas com uma cabeça como prego, em
que metem esta ponta, e para que não caia a tal cabeça lhe fica de dentro do beiço por onde a metem.
Costumam mais em suas festas enfeitarem-se com capas e carapuças de penas de cores de pássaros. Com este gentio tiveram grande entrada os
franceses, de quem foram bem recebidos no Cabo Frio e no Rio de Janeiro, onde os deixaram fortificar e viver até que o governador Mem de Sá os foi
lançar fora; e depois Antônio Salema, no Cabo Frio. Nestes dois rios costumavam os franceses resgatar cada ano mil quintais de pau-brasil, aonde
carregavam muitas naus, que traziam para França. |