Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 17 — Noticia
etnográfica do gentio tupinambá que povoava a Bahia
Capítulo
CLXXVI
Que trata do sucessor ao principal que morreu, e das
cerimônias que faz sua mulher, e as que se fazem por morte dela também.
Costumam os tupinambás, quando morre o principal da aldeia, elegerem entre si quem suceda em seu lugar, e se o defunto tem filho que lhe possa
suceder, a ele aceitam por seu cabeça; e quando não é para isso, ou o não tem, aceitam um seu irmão em seu lugar; e não os tendo que tenham partes
para isso, elegem um parente seu, se é capaz de tal cargo, e tem as partes atrás declaradas.
É costume entre as mulheres dos principais tupinambás, ou de outro qualquer índio, a mulher cortar os cabelos por dó, e tingir-se toda de
jenipapo. As quais choram seus maridos muitos dias, e são visitadas de suas parentas e amigas; e todas as vezes que o fazem, tornam com a viúva a
prantear de novo o defunto, as quais deixam crescer o cabelo até que lhes dá pelos olhos, e se não casa com outro, logo faz sua festa com vinhos, e
torna-se a tosquiar para tirar o dó, tinge-se de novo do jenipapo.
Costumam os índios, quando lhes morrem as mulheres, deixarem crescer o cabelo, no que não têm tempo certo, e tingem-se do jenipapo por dó; e
quando se querem tosquiar, se tornam a tingir de preto à véspera da festa dos vinhos, que fazem a seu modo, cantando toda a noite, para a qual se
ajunta muita gente para estes cantares, e o viúvo tosquia-se à véspera, à tarde, e ao outro dia há grandes revoltas de cantar e bailar, e beber
muito; e o que neste dia mais bebeu fez maior valentia, ainda que vomite e perca o juízo.
Nestas festas se cantam as proezas do defunto ou defunta, e do que tira o dó, e o mesmo dó tomam os irmãos, filhos, pai e mãe do defunto, e cada
um por si faz sua festa, quando tira o dó apartado, ainda que o tragam por uma mesma pessoa; mas este sentimento houveram de ter os vivos dos
mortos, quando estavam doentes; mas são tão desamoráveis os tupinambás que, quando algum está doente, e a doença é comprida, logo aborrece a todos
os seus, e curam dele muito pouco; e como o doente chega a estar mal, é logo julgado por morto; e não trabalham os seus mais chegados por lhe dar a
vida, antes o desamparam, dizendo que pois há de morrer, e não tem remédio, que para que é dar-lhe de comer, nem curar dele; e tanto é isto assim
que morrem muitos ao desamparo; e levam a enterrar outros ainda vivos, porque como chega a perder a fala dão-no logo por morto; e entre os
portugueses aconteceu muitas vezes fazerem trazer de junto da cova escravos seus para casa, por as mulheres os julgarem por mortos, muitos dos quais
tiveram saúde e viveram depois muitos anos. |