Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 5 — Das
árvores e plantas indígenas que dão fruto que se come
Capítulo
LVII
Em que se declara a propriedade dos ananases não
nomeados.
Não foi descuido deixar os ananases para este lugar por esquecimento; mas deixamo-los para ele, porque, se lhe déramos o primeiro, que é o seu,
não se puseram os olhos nas frutas declaradas no capítulo atrás; e para o pormos só, pois se lhe não podia dar companhia conveniente a seus
merecimentos.
Ananás é uma fruta do tamanho de uma cidra grande, mas mais comprida; tem olho da feição das alcachofras, e o corpo lavrado como alcachofra
molar, e com uma ponta e bico em cada sinal das pencas, mas é todo maciço; e muitos ananases lançam o olho e ao pé do fruto muitos outros tamanhos
como alcachofras.
A erva em que se criam os ananases é da feição da que em Portugal chamam erva-babosa, e tem as folhas armadas, e do tamanho da erva-babosa, mas
não são tão grossas; a qual erva ou ananaseiro espiga cada ano no meio como cardo, e lança um grelo da mesma maneira, e em cima dele lhe nasce o
fruto, tamanho como alcachofra, muito vermelho, o qual assim como vai crescendo, vai perdendo a cor e fazendo-se verde; e como vai amadurecendo, se
vai fazendo amarelo acataçolado de verde, e como é maduro conhece-se pelo cheiro, como o melão.
Os ananaseiros se transpõem de uma parte para outra, e pegam sem se secar nenhum; ainda que estejam com as raízes para o ar fora da terra ao sol
mais de um mês, os quais dão novidades daí a seis meses; e, além dos filhos que lançam ao pé do fruto e no olho, lançam outros ao pé do ananaseiro,
que também espigam e dão seu ananás, como a mãe de onde nasceram, os quais se transpõem, e os olhos que nascem no pé e no olho do ananás.
Os ananaseiros duram na terra, sem se secarem, toda a vida; se andam limpos de erva, que entre eles nasce, quanto mais velhos são dão mais
novidades, os quais não dão o fruto todos juntamente, mas em todo o ano uns mais temporões que os outros, e no inverno dão menos fruto que no verão,
em que vem a força da novidade, que dura oito meses.
Para se comerem os ananases hão de se aparar muito bem, lançando-lhes a casca toda fora, e a ponta de junto do olho, por não ser tão doce, e,
depois de aparado este fruto, o cortam em talhadas redondas, como de laranja, ou ao comprido, ficando-lhe o grelo que tem dentro, que vai correndo
do pé até o olho; e quando se corta fica o prato cheio do sumo que dele sai, e o que se lhe come é da cor dos gomos de laranja, e alguns há de cor
mais amarela; e desfaz-se tudo em sumo na boca, como o gomo de laranja, mas é muito mais sumarento; o sabor dos ananases é muito doce, e tão suave
que nenhuma fruta da Espanha lhe chega na formosura, no sabor e no cheiro; porque uns cheiram a melão muito fino, outros a camoesas; mas no cheiro e
no sabor, não há quem se saiba afirmar em nada, porque ora sabe e cheira a uma coisa, ora a outra.
A natureza deste fruto é quente e úmida, e muito danosa para quem tem ferida ou chaga aberta; os quais ananases sendo verdes são proveitosos para
curar chagas com eles, cujo sumo come todo o câncer e a carne podre, do que se aproveita o gentio; e com tanta maneira como esta fruta, que alimpam
com as suas cascas a ferrugem das espadas e facas, e tiram com elas as nódoas da roupa ao lavar; de cujo sumo, quando são maduras, os índios fazem
vinho, com que se embebedam; para o que os colhem mal maduros, para ser mais azedo, do qual vinho todos os mestiços e muitos portugueses são mui
afeiçoados.
Desta fruta se faz muita conserva, aparada da casca, a qual é muito formosa e saborosa, e não tem a quentura e umidade de quando se come em
fresco. |