Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
Breves comentários à
precedente obra de Gabriel Soares
Introdução
Quando em princípios de março deste ano escrevíamos em Madri a dedicatória que precede a presente edição da obra de Gabriel Soares, e lhe serve
como de prefácio, não podíamos imaginar que tão cedo veríamos em execução a nossa proposta, e menos podíamos adivinhar que concorreríamos até para
realizar, sendo ao chegar à corte chamado a desempenhar as funções do cargo de primeiro-secretário do nosso Instituto Histórico, cargo a que, pelos
novos estatutos, anda anexa a direção dos anais que há catorze anos publica esta corporação.
Animados pelo voto da maior parte dos nossos consócios, entregamos ao prelo o manuscrito da obra sobre que tanto tínhamos trabalhado, e seguimos
com igual voto sua impressão, sem desfeiteá-la com interrupções. E dando-nos por incompetente para a revisão das provas de um livro que quase
sabemos de cor, tivemos a fortuna de alcançar nessa parte a coadjuvação do nosso amigo e consócio o sr. dr. Silva, que se prestou a esse enfadonho
trabalho com o amor do estudo que o distingue.
Ainda assim, tal era a dificuldade da empresa, que nos escaparam na edição algumas ligeiras irregularidades e imperfeições que se levantarão na
folha de erratas ou se advertirão nestes comentários que ora redigimos, com maior extensão do que os que havíamos escrito em Madri, e que
mencionamos na dedicatória. É mais difícil do que parece a empresa de restaurar um códice antigo do qual existem, em vez do original, uma infinidade
de cópias mais ou menos erradas em virtude de leituras erradas feitas por quem não entendia do que lia.
O tempo fará ainda descobrir algumas correções mais que necessitar esta obra, já pelo que diz respeito a nomes de lugares que hoje só poderão
pelos habitantes eles ser bem averiguados, já por alguns nomes de pássaros, insetos, e principalmente de peixes não descritos nos livros, e só
conhecidos dos caçadores, roceiros e pescadores.
Nos presentes comentários não repetiremos quanto dissemos nas Reflexões críticas, escritas ainda nos bancos das aulas com o tempo que
forrávamos depois de estudar a lição.
Além de havermos em alguns pontos melhorado nossas opiniões, evitaremos aqui
de consignar citações que pudessem julgar-se nascidas do desejo de ostentar erudição; desejo que existiu em nós alguma vez, quando principiantes,
por certo que já hoje nos não apoquenta.
Alguém quereria talvez que aproveitássemos para esta edição muitas notícias
que, por ventura deslocadas, se encontram nas Reflexões críticas. De propósito, porém, não quisemos sobrecarregar mais estes comentários;
além de que as notícias úteis que excluímos serão unicamente algumas bibliográficas de obras inéditas, cuja existência queríamos acusar aos
literatos, e esse serviço já está feito.
Muitos dos nossos atuais comentos versarão sobre as variantes dos textos, e
sobre as diferenças principais que houver entre a nossa edição e a da Academia das Ciências de Lisboa (Tomo 3.° das Memórias Ultramarinas).
Não faltará, talvez, quem censure o não havermos dado melhor método ao
escrito de Soares acompanhando-o de notas que facilitassem mais a sua leitura. Repetimos que não ousamos ingerir nossa mesquinha pena em meio dessas
páginas venerandas sobre que já pesam quase três séculos. Nem sequer nelas ousamos introduzir o título — Tratado Descritivo do Brasil — que
adotamos no rosto para melhor dar a conhecer o conteúdo da obra; pelo contrário, conservamos efetivamente em toda esta o título com que já ela é
conhecida e citada de — Roteiro Geral — que, aliás só compete à primeira parte.
O que sim fizemos a benefício dos leitores foi redigir um índice lacônico e
claro, introduzindo nele, por meio de vinte títulos, a divisão filosófica da segunda parte, sem em nada alterar a ordem e numeração dos capítulos.
Cremos, com este índice, que será publicado em seguida destes comentários,
ter feito ao livro de Soares um novo serviço. O público sabe já como este livro corria anônimo, sendo que Cazal, Martins e outros o iam quase
fazendo passar por obra de um tal Francisco da Cunha, quando as Reflexões Críticas, para acusar dele o autor, idade e título, chamaram a
atenção dos literatos sobre o que haviam consignado: 1.°) a Biblioteca Lusitana (tomo 2.°, p. 321); 2.°) a obra de Nicolau Antônio (tomo 1.°,
Comentários p. 509 e tomo 2.°, p. 399); 3.°) a do adicionador do americano Pinello, o espanhol Barcia (tomo 2.°, col. 680 e tomo 3.°, col. 1710); e
4.°) o próprio autor, que consignou seu nome na sua obra (parte 1ª, cap. 40 e parte 2ª, caps. 29, 30, 127 e 177).
Como sobre cada um dos capítulos de Soares temos alguma reflexão a fazer,
para não introduzirmos nova numeração e adaptarmos melhor os comentários à obra a que se destinam, os numeraremos sucessivamente, segundo os
capítulos; assim, desde o 1.° até o 74.°, serão eles referentes aos respectivos capítulos da 1ª parte; os 75, 76, 77 etc., pertencerão aos 1.°, 2.°,
3.°, etc. da 2ª parte; de modo que a numeração do capítulo desta última a que se refere o comentário será conhecida logo que ao número que tiver
este se abater o mesmo 74. E vice-versa; adicionando-se 74 ao número do capítulo da 2ª parte, se terá o do comentário respectivo. Assim o índice da
obra, com os seus títulos etc., poderá também consultar-se como índice destes. |