Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 15 — Dos
mamíferos marinhos e dos peixes do mar, camarões etc.
Capítulo
CXXXVI
Que trata da natureza de alguns peixes que se criam na
lama e andam sempre no fundo.
Urumaçá é uma casta de peixe da feição de linguados de Portugal, o qual se toma debaixo da vasa, ou com redes, cujo sabor não é muito bom;
e se cozem ou assam, sem o açoitarem, faz-se em pedaços. Nos arrecifes se toma muito polvo, e são como os da Espanha, sem nenhuma diferença, a que
os índios chamam caiacanga, os quais não andam nunca em cima da água; e tomam-se na baixamar de maré de águas vivas, nas concavidades que têm
os arrecifes, onde ficam com pouca água; e de noite se tomam melhor com fachos de fogo.
Aimoré é um peixe que se cria na vasa dos rios da água salgada, onde se tomam nas covas da vasa, os quais são da feição e cor dos
enxarrocos; e tão escorregadios como eles, e têm a cabeça da mesma maneira; são sobre o mole, mas muito gostosos cozidos e fritos, e muito leves; as
suas ovas são pequenas e gostosas, mas são tão peçonhentas que de improviso fazem mal a quem as come, e fazem arvoar a cabeça, de dor de estômago, e
vomitar, e grande fraqueza, mas passa este mal logo.
Chama o gentio aimoreuçus a outros peixes, que se criam na vasa dos mesmos rios do salgado, que são da feição dos eirós de Lisboa, mas mais
curtos e assim escorregadios. Estes, quando estão ovados, têm as ovas tão compridas, que quase lhes chegam à ponta do rabo, e são muito saborosas, e
o mesmo peixe; mas as ovas são peçonhentas, e de improviso se acha mal quem as come, como as dos aimorés; mas o peixe é muito gostoso e
sadio.
Baiacu é um peixe que quer dizer "sapo", da mesma cor e feição, e muito peçonhento, mormente a pele, os fígados e o fel, ao qual os índios
com fome esfolam, e tiram-lhe o peçonhento fora, e comem-nos; mas se lhes derrama o fel, ou lhes fica alguma pele, incha quem o come até rebentar;
com os quais peixes assados os índios matam os ratos, os quais andam sempre no fundo da água.
Piraquioá é um peixe de feição de um ouriço-cacheiro, todo cheio de espinhos tamanhos como alfinetes grandes, os quais tem pegados na pele
por duas pontas com que estão arreigados; tomam-se em redes; os quais andam sempre ao longo da areia no fundo; a quem os índios esfolam, e
comem-lhes a carne.
Bacupuá é um peixe da feição do enxarroco nos ombros e na cabeça, mas tem a boca muito pequena e redonda; e é dos ombros para baixo muito
estreito, delgado e duro como nervo, e as barbatanas do rabo são duras e grossas, e na despedida do rabo tem duas pernas como rãs, e no fim dele
duas barbatanas duras como as do rabo; e debaixo, na barriga, tem dois bracinhos curtos, e neles maneira de dedos; e tem as costas cheias de sarna
como ostrinha, e da cabeça lhe sai um corno de comprimento de um dedo, mas delgado e duro como osso e muito preto, e o mais é cor vermelhaça; e tem
na barriga debaixo das mãos dois buracos. Este peixe não nada, mas anda sempre pela areia sobre as mãos, onde há pouca água; ao qual os índios comem
esfolado, quando não têm outra coisa. |