Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
PRIMEIRA PARTE - ROTEIRO GERAL DA COSTA BRASÍLICA
Capítulo LIII
Que trata como o governador Mem de Sá foi ao Rio de
Janeiro.
Não é bem que passemos avante sem primeiro se dar conta da muita, que os anos passados se teve com o Rio de Janeiro. E como el-rei d. João III, de
Portugal, fosse informado como os franceses tinham feito neste rio uma fortaleza na ilha de Viragalham, que foi o capitão que nela residia, que se
assim chamava, mandou a d. Duarte da Costa, que neste tempo era governador deste Estado, que d. Duarte fez com muita diligência, e avisou disso a S.
A. a tempo, que tinha eleito para governador-geral deste Estado a Mem de Sá, a quem encomendou particularmente que trabalhasse por pôr esta
ladroeira fora deste rio.
E falecendo el-rei neste conflito, sucedendo no governo a rainha d. Catarina, sua mulher, que está em glória, sabendo da vontade de S. A.,
escreveu ao mesmo Mem de Sá, que com a brevidade possível fosse a este rio e lançasse os franceses dele, ao que, obedecendo o governador, fez
prestes a armada, que do reino para isso lhe fora, de que ia por capitão-mor Bartolomeu de Vasconcelos; à qual ajuntou outros navios de el-rei, que
na Bahia havia, e dez ou doze caravelões; e feita a frota prestes, mandou embarcar nela as armas e munições de guerra e os mantimentos necessários,
na qual se embarcou a maior parte da gente nobre da Bahia, e os homens de armas que se puderam juntar, com muitos escravos e índios forros.
E indo o governador com esta armada correndo a costa, de todas as capitanias levou gente que por sua vontade o quiseram acompanhar nesta empresa;
e, seguindo sua viagem, chegou ao Rio de Janeiro com toda a armada junta, onde o vieram ajudar muitos moradores de São Vicente. E foi recebido da
fortaleza de Viragalham, que neste tempo era ido à França, com muitas bombardadas, o que não foi bastante para Mem de Sá deixar de se chegar à
fortaleza com os navios de maior porte a varejar com artilharia grossa; e com os navios pequenos mandou desembarcar a gente numa ponta da ilha, onde
mandou assestar artilharia, donde bateram a fortaleza rijamente.
E como os franceses se viram apertados, despejaram o castelo e fortaleza uma noite, e lançaram-se na terra firme com o gentio tamoio, que os
favorecia muito; e entrada a fortaleza, mandou o governador recolher a artilharia e munições de guerra, que nela havia; e mandou-a desfazer e
arrasar por terra, e avisou logo do sucedido à rainha, numa nau francesa, que neste rio tomou, e como houve monção se recolheu o governador para a
Bahia (visitando as capitanias todas) aonde chegou a salvamento.
Mas não alcançou esta vitória tanto a seu salvo, que lhe não custasse primeiro a vida de muitos portugueses e índios tupinambás, que lhe os
franceses mataram às bombardadas e espingardadas; mas, como a rainha soube desta vitória, e entendendo quanto convinha à coroa de Portugal povoar-se
e fortificar-se o Rio de Janeiro, estranhou muito a Mem de Sá o arrasar a fortaleza que tomou aos franceses, e não deixar gente nela que a guardasse
e defendesse, para se povoar este rio (o que ele não fez por não ter gente que bastasse para poder defender esta fortaleza); e que logo se fizesse
prestes e fosse povoar este rio, e o fortificasse, edificando nele uma cidade, que se chamasse de São Sebastião; e para que isto pudesse fazer com
mais facilidade, lhe mandou uma armada de três galeões, de que ia por capitão-mor Cristóvão de Barros, com a qual, e com dois navios del-rei que
andavam na costa, e outros seis caravelões, se partiu o governador da Bahia com muitos moradores dela, que levavam muitos escravos consigo, e
partiu-se para o Rio de Janeiro, onde lhe sucedeu o que neste capítulo se segue. |