Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 4 — Da
agricultura da Bahia
Capítulo
XL
Que trata da farinha que se faz da mandioca.
O mantimento de mais estima e proveito que faz da mandioca é a farinha fresca, a qual se faz destas raízes, que se lançam primeiro a curtir, de
que se aproveita o gentio; e os portugueses, que não fazem a farinha da mandioca crua, de que atrás temos dito, senão por necessidade.
Costumam as índias lançar cada dia destas raízes na água corrente ou na encharcada, quando não têm perto a corrente, onde está a curtir até que
lança a casca de si; e como está dessa maneira, está curtida; da qual traz para casa outra tanta como lança na água para curtir, as quais raízes
descascadas ficam muito alvas e brandas, sem nenhuma peçonha, que toda se gastou na água, as quais se comem assadas e são muito boas.
E para se fazer a farinha destas raízes se lavam primeiro muito bem, e depois, desfeitas à mão, se espremem no tapeti, cuja água não faz mal;
depois de bem espremidas desmancham esta massa sobre uma urupema, que é como joeira, por onde se coa o melhor, e ficam os caroços em cima e o pó que
se coou lançam-no em um alguidar que está sobre o fogo, aonde se enxuga e coze da maneira que fica dito, e fica como cuscuz, a qual em quente e em
fria é muito boa e assim no sabor como em ser sadia e de boa digestão.
Os índios usam destas raízes tão curtidas que ficam denegridas e a farinha, azeda. Os portugueses não a querem curtida mais que até dar a casca, à
qual mandam misturar algumas raízes de mandioca crua, com o que fica a farinha mais alva e doce; e desta maneira se aproveitam da mandioca, a qual
farinha fresca dura sem se danar cinco a seis dias, mas faz-se seca; e quem é bem servido em sua casa, come-a sempre fresca e quente.
Estas raízes da mandioca curtida têm grande virtude para curar postemas, as quais se pisam muito bem sem se espremerem; e, feito da massa um
emplasto, posto sobre a postema a mole fica de maneira que a faz arrebentar por si, se a não querem furar. |