Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 17 — Noticia
etnográfica do gentio tupinambá que povoava a Bahia
Capítulo
CLI
Que trata do sítio e arrumação das aldeias, e as
quantidades dos principais delas.
Em cada aldeia dos tupinambás há um principal, a que seguem somente na guerra onde lhe dão alguma obediência, pela confiança que têm em seu
esforço e experiência, que no tempo de paz cada um faz o a que o obriga seu apetite.
Este principal há de ser valente homem para o conhecerem por tal, e aparentado e benquisto, para ter quem ajude a fazer suas roças, mas quando as
faz com ajuda de seus parentes e chegados, ele lança primeiro mão do serviço que todos.
Quando este principal assenta a sua aldeia, busca sempre um sítio alto e desabafado dos ventos, para que lhe lave as casas, e que tenha a água
muito perto, e que a terra tenha disposição para de redor da aldeia fazerem suas roças e granjearias; e como escolhe o sítio a contentamento dos
mais antigos, faz o principal sua casa muito comprida, coberta da palma, a que os índios chamam pindoba, e as outras casas da aldeia se fazem
também muito compridas e arrumadas, de maneira que lhes fica no meio um terreiro quadrado, onde fazem bailes e os seus ajuntamentos; e em cada
aldeia há um cabeça, que há de ser índio antigo e aparentado, para lhe os outros que vivem nestas casas terem respeito; e não vivem mais nesta
aldeia, que enquanto lhes não apodrece a palma das casas, que lhes dura três, quatro anos.
E como lhes chove muito nelas, passam a aldeia para outra parte. E nestas casas não há nenhuns repartimentos, mais que os tirantes; e entre um e
outro é um rancho onde se agasalha cada parentela, e o principal toma o seu rancho primeiro, onde se ele arruma com sua mulher e filhos, mancebas,
criados solteiros, e a algumas velhas que o servem, e pela mesma ordem vai arrumando a gente da sua casa, cada parentela em seu lanço; de onde se
não poderão mudar, salvo se for algum mancebo solteiro, e casar, porque em tal caso se irá para o lanço onde está sua mulher; e por cima destes
tirantes das casas lançam umas varas arrumadas bem juntas, a que chamam jiraus, em que guardam suas alfaias e seus legumes, que se aqui curam
ao fumo, para não apodrecerem; e da mesma maneira se arrumam e ordenam nas outras casas; e em umas e outras a gente que se agasalha em cada lanço
destes.
Quando comem é no chão, em cocaras, e todos juntos, e os principais deitados nas redes. Nestas casas tem este gentio ajuntamento, sem se pegarem
uns dos outros, mas sempre o macho com fêmea. Se estas aldeias estão em frontaria de seus contrários, e em lugares de guerra, faz este gentio de
roda da aldeia uma cerca de pau a pique muito forte, com suas portas e seteiras, e afastado da cerca vinte e trinta palmos fazem de redor dela uma
rede de madeira, com suas entradas de fora para entre ela e a cerca; para que, se lhe os contrários entrarem dentro, lhe saírem; e ao recolher se
embaracem de maneira que os possam flechar e desbaratar, como acontece muitas vezes. |