Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 17 — Noticia
etnográfica do gentio tupinambá que povoava a Bahia
Capítulo
CLII
Que trata da maneira dos casamentos dos tupinambás e seus
amores.
A mulher verdadeira dos tupinambás é a primeira que o homem teve e conversou, e não têm em seus casamentos outra cerimônia mais que dar o pai a
filha a seu genro, e como têm ajuntamento natural, ficam casados; e os índios principais têm mais de uma mulher, e o que mais mulheres tem, se tem
por mais honrado e estimado; mais elas dão todas a obediência à mais antiga, e todas a servem, a qual tem armado sua rede junto da do marido, e
entre uma e outra tem sempre fogo aceso; e as outras mulheres têm as suas redes, em que dormem, mais afastadas, e fogo entre cada duas redes; e
quando o marido se quer ajuntar com qualquer delas, vai-se lançar com ela na rede, onde se detém só aquele espaço deste contentamento, e torna-se
para o seu lugar; e sempre há entre estas mulheres ciúmes, mormente a mulher primeira; porque pela maior parte são mais velhas que as outras, e de
menos gentileza, o qual ajuntamento é público diante de todos.
E quando o principal não é o maior da aldeia dos índios das outras casas, o que tem mais filhos é mais rico e mais estimado, e mais honrado de
todos, porque são as filhas mui requestadas dos mancebos que as namoram; os quais servem os pais das damas dois e três anos primeiro que lhas dêem
por mulheres; e não as dão senão aos que melhor os servem, a quem os namoradores fazem a roça, e vão pescar e caçar para os sogros que desejam de
ter, e lhe trazem a lenha do mato; e como os sogros lhes entregam as damas, eles se vão agasalhar no lanço dos sogros com as mulheres, e apartam-se
dos pais, mães e irmãos, e mais parentela com que antes estavam; e por nenhum caso se entrega a dama a seu marido enquanto lhe não vem seu costume
[catamênio]; como lhe vem é obrigada a moça a trazer atado
pela cinta
um fio de algodão, e em cada bucho dos braços outro, para que venha à notícia de todos.
E como o marido lhe leva a flor, é obrigada a noiva a quebrar estes fios, para que seja notório que é feita dona; e ainda que uma moça destas seja
deflorada por quem não seja seu marido, ainda que seja em segredo, há de romper os fios da sua virgindade, que de outra maneira cuidará que a leva
logo o diabo, os quais desastres lhes acontecem muitas vezes; mas o pai não se enoja por isso, porque não falta quem lha peça por mulher com essa
falta; e se algum principal da aldeia pede a outro índio a filha por mulher, o pai lha dá sendo menina; e aqui se não entende o preceito acima,
porque ele a leva para o seu lanço, e a vai criando até que lhe venha seu costume, e antes disso por nenhum caso lhe toca. |