Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 13 — Da
herpetogratia e dos batráquios e vários outros
Capítulo
CXV
Que trata da diversidade das rãs e sapos que há no
Brasil.
Chamam os índios cururus aos sapos da Espanha, que não têm nenhuma diferença, mas não mordem, nem fazem mal, estando vivos; mortos, sim,
porque o seu fel é peçonha mui cruel, e os fígados e a pele, da qual o gentio usa quando quer matar alguém.
Estes sapos se criam pelos telhados, e em tocas de árvores e buracos das paredes, os quais têm um bolso na barriga em que trazem os ovos, que são
tamanhos como avelãs e amarelos como gema de ovos, de que se geram os filhos, onde os trazem metidos até que saiam para buscar sua vida; estes sapos
buscam de comer de noite, a que os índios comem, como às rãs; mas tiram-lhes as tripas e forçura
[vísceras] fora, de maneira que lhe não arrebente o fel; porque se arrebenta fica a carne toda peçonhenta, e não escapa quem a come, ou alguma coisa da pele
e forçura.
E porque as rãs são de diferentes feições e costumes, digamos logo de umas a que os índios chamam juiponga, que são grandes, e quando
cantam parecem caldeireiros que malham nas caldeiras; e estas são pardas, e criam-se nos rios onde desovam cada lua; as quais se comem, e são muito
alvas e gostosas.
Desta mesma casta se criam nas lagoas, onde desovam enquanto tem água, mas, como se seca, recolhem-se para o mato nos troncos das árvores, onde
estão até que chove, e como as lagoas têm qualquer água, logo se tornam para elas, onde desovam; e os seus ovos são pretos, e de cada um nasce um
bichinho com barbatanas e rabo, e as barbatanas se lhes convertem nos braços, e o rabo se lhes converte nas pernas.
Enquanto são bichinhos lhes chamam os índios juins, do que há sempre infinidade deles, assim nas lagoas como no remanso dos rios; do que se
enchem balaios quando os tomam, e para os alimparem apertam-nos entre os dedos, e lançam-lhes as tripas fora, e embrulham-nos às mancheias em
folhas, e assam-nos no borralho; o qual manjar gabam muito os línguas que tratam com o gentio, e os mestiços.
Juijiá é outra casta de rãs, que são brancacentas, e andam sempre na água, e quando chove muito falam de maneira que parecem crianças que
choram, as quais se comem esfoladas, como as mais; e são muito alvas, e gostosas.
Há outra casta de rãs, a que os índios chamam juií; e são muito grandes, e de cor pretaça; e desovam na água como as outras, as quais,
depois de esfoladas, têm tamanho corpo como um honesto coelho.
Cria-se na água outra casta de rãs, a que os índios chamam juiperereca, que saltam muito, em tanto que dão saltos do chão em cima dos
telhados, onde andam no inverno, e cantam de cima como chove; as quais são verdes, e desovam também na água em lugares úmidos; e esfoladas comem-se
como as outras.
Há outra casta de rãs, a que os índios chamam juiguaraigaraí, que são pequenas, e no inverno, quando há de fazer sol e bom tempo, cantam
toda noite no alagadiço, onde se criam, o qual sinal é muito certo; estas são verdes, e desovam na água que corre entre junco ou rama, também
esfoladas se comem e são muito boas.
Como não há ouro sem fezes, nem tudo é a vontade dos homens, ordenou Deus que entre tantas coisas proveitosas para o serviço dele, como fez na
Bahia, houvesse algumas imundícias que os enfadassem muito, para que não cuidassem que estavam em outro paraíso terreal, de que diremos daqui por
diante, começando no capítulo que se segue das lagartas. |