Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 19 —
Recursos da Bahia para defender-se
Capítulo
CXCII
Em que se aponta o aparelho que na Bahia tem para se
fazer pólvora, e muita picaria e armas de algodão.
Pois temos dito o aparelho que a Bahia tem para se fortificar e defender dos corsários, se a forem cometer, saibamos se tem alguns aparelhos
naturais da terra com que se possam ofender seus inimigos, não falando nos arcos e flechas do gentio, com o que os escravos da Guiné, mamelucos, e
outros muitos homens bravos naturais de terra sabem pelejar, do que há tanta quantidade nesta província; mas digamos das maravilhosas armas de
algodão que se fazem na Bahia, geralmente por todas as casas dos moradores, as quais não passa besta, nem flecha nenhuma; do que se os portugueses
querem antes armar que de cossoletes, nem couraças; porque a flechada que dá nestas armas resvala por elas e faz dano aos companheiros; e deste
estofado de algodão armam os portugueses os corpos e fazem do mesmo estofado celadas
[armaduras] para a cabeça, e muito boas adargas
[escudos ovais].
Fazem também na Bahia paveses e rodelas de copaíba, de que fizemos menção quando falamos da natureza desta árvore, as quais rodelas são tão boas
como as do adargueiro, e da vantagem por serem mais leves e estopentas, do que se farão infinidade delas muito grandes e boas.
Dão-se na Bahia muitas hastes de lanças do comprimento que quiserem, as quais são mais pesadas que as de faia, mas são muito mais fortes e
formosas; e das árvores de que estas hastes tiram, há muitas de que se pode fazer muita picaria, e infinidade de dardos de arremesso, que os
tupinambás sabem muito bem fazer.
E chegando ao principal, que é a pólvora, em todo o mundo se não sabe que haja tão bom aparelho para ela como na Bahia, porque tem muitas serras
que não têm outra coisa senão salitre, o qual está em pedra alvíssima sobre a terra, tão fino que assim pega o fogo dele como de pólvora mui
refinada; pelo que se pode fazer na Bahia tanta quantidade dela que se possa dela trazer tanta para a Espanha, com que se forneçam todos os Estados
de que Sua Majestade é rei e senhor, sem esperar que lhe venha da Alemanha, nem de outras partes, de onde trazem este salitre com tanta despesa e
trabalho, do que se deve de fazer muita conta. |