Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
PRIMEIRA PARTE - ROTEIRO GERAL DA COSTA BRASÍLICA
Capítulo XXXI
Em que se contém como se começou de povoar a capitania
dos Ilhéus por ordem de Jorge de Figueiredo Correa.
Quando el-rei d. João III repartiu parte da terra da costa do Brasil em capitanias, fez mercê de uma delas, com cinqüenta léguas de costa, a Jorge
de Figueiredo Correa, escrivão da sua Fazenda; a qual se começa da ponta da baía do Salvador da banda do Sul, que se entende da ilha de Tinharé
(como está julgado por sentença que sobre este caso deu Mem de Sá sendo governador, e Brás Fragoso sendo ouvidor-geral e provedor-mor do Brasil) e
vai correndo ao longo da costa cinqüenta léguas.
E como Jorge de Figueiredo por respeito de seu cargo não podia ir povoar esta capitania em pessoa, ordenou de o mandar fazer por outrem, para o
que fez prestes à custa de sua fazenda uma frota de navios com muitos moradores, providos do necessário para a nova povoação. E mandou por seu
lugar-tenente a um castelhano muito esforçado, experimentado e prudente, que se chamava Francisco Romeiro, o qual partiu do porto de Lisboa com sua
frota, e fez sua viagem para esta costa do Brasil, e foi ancorar e desembarcar no Porto de Tinharé, e começou a povoar em cima do morro de São
Paulo, do qual sítio se não satisfez.
E como foi bem visto e descoberto do Rio dos Ilhéus, que assim se chama pelos que tem defronte da barra, donde a capitania tomou o nome, se passou
com toda a gente para este rio, onde se fortificou e assentou a vila de São Jorge, onde agora está, na qual, nos primeiros anos, teve muitos
trabalhos de guerra com o gentio; mas como eram tupiniquins, gente melhor acondicionada que o outro gentio, fez pazes com eles, e fez-lhe tal
companhia que com seu favor foi a capitania em grande crescimento, onde homens ricos de Lisboa mandaram fazer engenhos de açúcar, com o que a terra
se enobreceu muito; a qual capitania Jerônimo de Alarcão, filho segundo de Jorge de Figueiredo, com licença de S. A. vendeu a Lucas Giraldes, que
nela meteu grande cabedal, com que a engrandeceu, de maneira que veio a ter oito ou nove engenhos.
Mas deu nesta terra esta praga dos aimorés, de feição que não há aí já mais que seis engenhos, e estes não fazem açúcar, nem há morador que ouse
plantar canas, porque em indo os escravos ou homens ao campo não escapam a estes alarves, com medo dos quais foge a gente dos Ilhéus para a Bahia, e
tem a terra quase despovoada, a qual se despovoará de todo, de Sua Majestade com muita instância não lhe valer.
Esta vila foi muito abastada e rica, e teve quatrocentos ou quinhentos vizinhos; na qual está um mosteiro dos padres da companhia, e outro que se
agora começa, de São Bento, e não tem nenhuma fortificação nem modo para se defender de quem a quiser afrontar. |