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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM 1587 - BIBLIOTECA NM
1587 - Notícia do Brasil - [I - 42]

Clique na imagem para voltar ao índice desta obraEscrita em 1587 pelo colono Gabriel Soares de Souza, essa obra chegou ao eminente historiador Francisco Adolpho de Varnhagen por cópias que confrontou em 1851, para tentar restabelecer o texto original desaparecido, como cita na introdução de seus estudos e comentários. Em 1974, foi editada com o mesmo nome original, Notícia do Brasil, com extensas notas de importantes pesquisadores. Mais recentemente, o site Domínio Público apresentou uma versão da obra, com algumas falhas de digitalização e reconhecimento ótico de caracteres (OCR).

Por isso, Novo Milênio fez um cotejo daquela versão digital com a de 1974 e com o exemplar cedido em maio de 2010 para digitalização, pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá. Este exemplar corresponde à terceira edição (Companhia Editora Nacional, 1938, volume 117 da série 5ª da Brasiliana - Biblioteca Pedagógica Brasileira), com os comentários de Varnhagen. Foi feita ainda alguma atualização ortográfica:

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Tratado descritivo do Brasil em 1587

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Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa

PRIMEIRA PARTE - ROTEIRO GERAL DA COSTA BRASÍLICA

Capítulo XLII

Em que se declara como el-rei fez mercê da capitania do Espírito Santo a Vasco Fernandes Coutinho, e como ele a foi povoar em pessoa.

Razão tinha Vasco Fernandes Coutinho de se contentar com os grandes e heróicos feitos que tinha com as armas acabado nas partes da Índia, onde nos primeiros tempos de sua conquista se achou, no que gastou o melhor de sua idade; e passando-se para estes reinos em busca do galardão de seus trabalhos, pediu em satisfação deles a S. A. licença para entrar em outros maiores, pedindo que lhe fizesse mercê de uma capitania na costa do Brasil, porque a queria ir povoar, e conquistar o sertão dela, a cujo requerimento el-rei d. João III de Portugal satisfez fazendo-lhe mercê de cinqüenta léguas de terra ao longo da costa no dito Estado, com toda a terra para o sertão, que coubesse na sua demarcação, começando onde acabasse Pedro do Campo, capitão de Porto Seguro.

Contente este fidalgo com a mercê que pediu, para satisfazer à grandeza de seus pensamentos, ordenou à sua custa uma frota de navios mui provida de moradores e das munições de guerra necessárias, com tudo o que mais convinha a esta empresa, na qual se embarcaram, entre fidalgos e criados del-rei, sessenta pessoas, entre as quais foi d. Jorge de Menezes, o de Maluco, e d. Simão de Castelo Branco, que por mandado de S. A. iam cumprir suas penitências a estas partes.

Embarcado este valoroso capitão com sua gente na frota que estava prestes, partiu do porto de Lisboa com bom tempo, e fez sua viagem para o Brasil, onde chegou a salvamento, à sua capitania, na qual desembarcou e povoou a vila de Nossa Senhora da Vitória, a que agora chamam a Vila Velha, onde se logo fortificou, a qual em breve tempo se fez uma nobre vila para aquelas partes. De redor desta vila se fizeram logo quatro engenhos de açúcar mui bem providos e acabados, os quais começaram de lavrar açúcar, como tiveram canas para isso, que se na terra deram muito bem.

Nestes primeiros tempos teve Vasco Fernandes Coutinho algumas escaramuças com o gentio seu vizinho, com a qual se houve de feição que, entendendo estes índios que não podiam ficar bem do partido, se afastaram da vizinhança do mar por aquela parte, por escusarem brigas que da vizinhança se seguiam. A este gentio chamam goitacases, de quem diremos adiante.

Como Vasco Fernandes viu o gentio quieto, e a sua capitania tanto avante, e em termos de florescer de bem em melhor, ordenou de vir para Portugal a se fazer prestes do necessário (para ir conquistando a terra pelo sertão, até descobrir ouro e prata) e a outros negócios que lhe convinham; e concertando suas coisas, como relevava, se partiu, e deixou a d. Jorge de Menezes para em sua ausência a governar, ao qual os tupiniquins, de uma banda, e os goitacases, da outra, fizeram tão crua guerra que lhe queimaram os engenhos e muitas fazendas, o desbarataram e mataram a flechadas; o que também fizeram depois a d. Simão de Castelo Branco, que lhe sucedeu na capitania, e a outra muita gente, e puseram a vila em cerco e em tal aperto que, não podendo os moradores dela resistir ao poder do gentio, a despovoaram de todo e se passaram à ilha de Duarte de Lemos, onde ainda estão; a qual ilha se afasta da terra firme um tiro de berço.

Esta vila se povoou de novo com título do Espírito Santo, e muitos dos moradores, não se havendo ali por seguros do gentio, se passaram a outras capitanias. E tornando-se Vasco Fernandes para a sua capitania, vendo-a tão desbaratada, trabalhou todo o possível por tomar satisfação deste gentio, o que não foi em sua mão, por estar impossibilitado de gente e munições de guerra, e o gentio mui soberbo com as vitórias que tinha alcançado; antes viveu muitos anos afrontado dele naquela ilha, onde, a seu requerimento, o mandou socorrer Mem de Sá, que naquele tempo governava este Estado; o qual ordenou na Bahia uma armada bem fornecida de gente e armas, que era de navios da costa, mareáveis, da qual mandou por capitão a seu filho Fernão de Sá, que com ela foi entrar no Rio de Cricaré, onde ajuntou com ele a gente do Espírito Santo, que lhe mandou Vasco Fernandes Coutinho; e sendo a gente toda junta, desembarcou Fernão de Sá em terra, e deu sobre o gentio de maneira, que o pôs logo em desbarate nos primeiros encontros, o qual gentio se reformou e ajuntou logo, e apertou com Fernão de Sá, de maneira que o fez recolher para o mar, o que fez com tamanha desordem dos seus que, antes de poder chegar às embarcações, mataram a Fernão de Sá, com muita da sua gente, ao embarcar; mas, já agora, esta capitania está reformada, com duas vilas, numa das quais está um mosteiro dos padres da companhia, e tem seus engenhos de açúcar e outras muitas fazendas.

No povoar desta capitania gastou Vasco Fernandes Coutinho muitos mil cruzados, que adquiriu na Índia, e todo o patrimônio que tinha em Portugal, que todo para isso vendeu, o qual acabou nela tão pobremente, que chegou a darem-lhe de comer por amor de Deus, e não sei se teve um lençol seu, em que o amortalhassem. E seu filho, do mesmo nome, vive hoje na mesma capitania, tão necessitado que não tem mais de seu que o título de capitão e governador dela.