Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 17 — Noticia
etnográfica do gentio tupinambá que povoava a Bahia
Capítulo
CLXVIII
Que trata de como os tupinambás dão em seus contrários.
Tanto que os tupinambás chegam duas jornadas da aldeia de seus contrários não fazem fogo de dia, por não serem sentidos deles pelos fumos que se
vêm de longe; e ordenam-se de maneira que possam dar nos contrários de madrugada, e em conjunção de lua cheia para andarem a derradeira jornada de
noite pelo luar, e tomarem seus contrários desapercebidos e descuidados; e em chegando à aldeia dão todos juntos tamanho urro, gritando, que fazem
com isso e com suas buzinas e tamboris grande espanto; e desta maneira dão o seu salto nos contrários; e do primeiro encontro não perdoam a grande
nem a pequeno, para o que vão apercebidos de uns paus à feição de arrochos, com uma quina por uma ponta, com o que da primeira pancada que dão na
cabeça ao contrário, lha fazem em pedaços.
E há alguns destes bárbaros tão carniceiros que cortam aos vencidos, depois de mortos, suas naturas
[órgãos genitais], assim aos machos como às fêmeas, as quais levam para darem a suas mulheres que as guardam depois de mirradas no fogo, para nas suas festas as
darem de comer aos maridos por relíquias, o que lhes dura muito tempo; e levam os contrários que não mataram na briga, cativos, para depois os
matarem em terreiro com as festas costumadas.
No despojo desta guerra não tem o principal coisa certa, e cada um leva o que pode apanhar, e quando os vencedores se recolhem, põem fogo às casas
da aldeia em que deram, que são cobertas de palmas até o chão.
E recolhem-se logo andando todo o que lhes resta do dia, e toda a noite pelo luar com o passo mais apressado, trazendo suas espias detrás, por se
arrecearem de se ajuntarem muitos do contrário, e virem tomar vingança do acontecido a seus vizinhos, como cada dia lhes acontece.
E sendo caso que os tupinambás achem seus contrários apercebidos com a sua cerca feita, e eles se atrevem a os cercar, fazem-lhes por de redor
outra contracerca de rama e espinhos muito liada com madeira que metem no chão, a que chamam caiçá
[trincheira, obra de defesa], pela qual enquanto verde não há coisa que os rompa, e ficam com ela seguros das flechas dos contrários, a qual caiçá fazem bem chegada à
cerca dos contrários, e de noite falam mil roncarias
[ditos cavilosos e logrativos], e jogam as pulhas de parte a parte, até que os tupinambás abalroam a cerca ou levantam cerco, se se não atrevem com ele, ou por lhes faltar o
mantimento. |