Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 16 — Dos
crustáceos, moluscos, zoófitos, eqüinodermos etc. e dos peixes de água doce
Capítulo
CXLIII
Em que se contém algumas estranhezas que o mar cria na
Bahia.
Assim como se na terra criam mil imundícias de bichos prejudiciais ao remédio da vida humana, como atrás no capítulo das alimárias fica declarado,
da mesma maneira se criam no mar, como se verá pelo que neste capítulo se contém.
Pindá chamam os índios aos ouriços que se criam no mar da Bahia, que são como os da costa de Portugal, os quais se criam em pedras; e não
usa ninguém deles para se comerem, nem para outra coisa alguma que aproveite para nada.
Lança este mar fora, muitas vezes, com tormenta, umas estrelas da mesma feição e tamanho das que lança o mar da Espanha, as quais não servem para
nada, a que os índios chamam jaci.
Também este mar lança fora pelas praias alforrecas ou coroas-de-frades, como aquelas que saem no Rio de Lisboa na praia de Belém e em outras
partes; e na Bahia saem às vezes juntas duas e três mil delas, a que os índios chamam muciqui.
Muitas vezes se acha pelas praias da Bahia uma coisa preta, mui liada, como fígado de vaca, com o que se enganaram muitos homens cuidando ser
âmbar, e é uma água-morta, segundo a opinião dos mareantes.
Também deita o mar por estas praias muitas vezes esponjas, a que os índios chamam itamembeca, as quais se criam no fundo mar, de onde umas
saem delgadas e moles, e outras tesas e aperfeiçoadas.
Aos gusanos chamam os índios ubiraçoca, do qual não é de espantar furar a madeira dos navios, pois fura as pedras, onde não acha paus, as
quais se acham cada hora lavrada deles, e furadas de uma banda e outra; este gusano é um bicho mole e comprido como minhoca, e da mesma feição; e
tem a cabeça e boca dura, o qual se cria numa casca roliça, retorcida, alva e dura, como búzio, e com ela faz as obras e dano tão sabidos; e para
roer não lança fora desta casca mais que a boca, com que faz o caminho diante desta sua camisa, que o corpo do bicho de dentro manda para onde quer;
e para este gusano não fazer tanto dano nas embarcações, permitiu a natureza que o que se cria na água salgada morra entrando na água doce, e o que
se cria na água doce morra na água salgada. Na Bahia houve já muito, mas já agora não há tanto que faça mal aos navios e outras embarcações.
Nas redes de pescar saem às vezes umas pedras brancas, que fizeram já os homens terem pensamentos que era coral branco, por se criarem no fundo do
mar, soltas, feitas em casteletes alvíssimos, que são tão delicados, lindos, e de tanto artifício, que é coisa estranha, os quais são muito duros e
resplandecentes; e dizem alguns contemplativos que se criam dos limos do mar, porque se acham alguns muitas vezes enfarinhados de areia congelada e
dura, e eles mui brancos, mas não ainda aperfeiçoados, como coisa que se vai criando. |