Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 19 —
Recursos da Bahia para defender-se
Capítulo
CXC
Em que se apontam os quais aparelhos que há para se
fazerem estas armadas.
Parecerá impossível achar-se na Bahia aparelho de estopa para se calafetarem as naus, galeões e galés que se podem fazer nela, para o que tem
facilíssimo remédio; porque há nos matos desta província infinidade de árvores que dão embira, como temos dito, quando falamos da propriedade delas,
a qual embira lhe sai da casca que é tão grossa como um dedo; como está pisada é muito branda, e desta embira se calafetam as naus que se fazem no
Brasil, e todas as embarcações; de que há tanta quantidade como já dissemos atrás, a qual para debaixo da água é muito melhor que estopa, porque não
apodrece tanto, e incha muito na água, e as costuras que se calafetam com a embira ficam muito mais fixas do que as que se calafetam com estopa, do
que há muita quantidade na terra.
E se cuidar quem ler estes apontamentos que não haverá oficiais que calafetem estas embarcações, afirmo-lhe que há estantes na Bahia mais de duas
dúzias, e achar-se-ão nos navios, que sempre estão no porto, dez ou doze, que são calafates das mesmas naus, e há muitos escravos, também, na terra,
que são calafates por si sós, e à sombra de quem, o sabem bem fazer.
Breu para se brearem estas embarcações não temos na terra, mas é por falta de se não dar remédio a isto; porque ao longo do mar, em terras baixas
de areia, é tudo povoado de umas árvores que se chamam camaçari, que entre a casca e o âmago lançam infinidade de resina branca, grossa como
terebintina de Beta, a qual é tão pegajosa que se não tira das mãos senão com azeite quente, a qual, se houver quem lhe saiba fazer algum cozimento,
será muito boa para se brearem com ela os navios, e far-se-á tanta quantidade que poderão carregar naus desta resina; e porque se não podem brear as
naus sem se misturar com a resina graxa, na Bahia se faz muita de tubarões, lixa e outros peixes, com que se alumiam os engenhos e se breiam os
barcos que há na terra, e que é bastante para se adubar
[temperar] o breu para muitas naus, quando mais que se à Bahia forem biscainhos ou outros homens que saibam armar às baleias, em nenhuma parte entram tantas
como nela, onde residem seis meses do ano e mais, de que se fará tanta graxa que não haja embarcações que a possam trazer à Espanha. |