Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 17 — Noticia
etnográfica do gentio tupinambá que povoava a Bahia
Capítulo
CLXI
Que trata dos feiticeiros e dos que comem terra para se
matarem.
Entre este gentio tupinambá há grandes feiticeiros, que têm este nome entre eles, por lhes meterem em cabeça mil mentiras; os quais feiticeiros
vivem em casa apartada cada um por si, a qual é muito escura e tem a porta muito pequena, pela qual não ousa ninguém entrar em sua casa, nem de lhe
tocar em coisa dela; os quais, pela maior parte, não sabem nada, e para se fazerem estimar e temer tomam este ofício, por entenderem com quanta
facilidade se mete em cabeça a esta gente qualquer coisa; mas há alguns que falam com os diabos, que os espancam muitas vezes, os quais os fazem
muitas vezes ficar em falta com o que dizem; pelo que não são tão cridos dos índios, como temidos.
A estes feiticeiros chamam os tupinambás pajés; os quais se escandalizam de algum índio por lhe não dar sua filha ou outra coisa que lhe
pedem, e lhe dizem: "Vai, que hás de morrer", ao que chamam "lançar a morte"; e são tão bárbaros que se vão deitar nas redes pasmados, sem quererem
comer; e de pasmo se deixam morrer, sem haver quem lhes possa tirar da cabeça que podem escapar do mandado dos feiticeiros, aos quais dão alguns
índios suas filhas por mulheres, com medo deles, por se assegurarem suas vidas.
Muitas vezes acontece aparecer o diabo a este gentio, em lugares escuros, e os espanca de que correm de pasmo; mas a outros não faz mal, e lhes dá
novas de coisas sabidas.
Tem este gentio outra barbaria muito grande, que se tomam qualquer desgosto, se anojam de maneira que determinam de morrer; e põem-se a comer
terra, cada dia uma pouca, até que vêm a definhar e inchar do rosto e olhos, e morrer disso, sem lhe ninguém poder valer, nem desviar de se quererem
matar; o que afirmam que lhes ensinou o diabo, e que lhes aparece, como se determinam a comer a terra. |