Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
PRIMEIRA PARTE - ROTEIRO GERAL DA COSTA BRASÍLICA
Capítulo XXXIX
Em que se declara quem são os tupiniquins e sua vida e
costumes.
Já fica dito como o gentio tupiniquim senhoreou e possuiu a terra da costa do Brasil, ao longo do mar, do Rio de Camamu até o Rio de Cricaré, o
qual tem agora despovoado toda esta comarca, fugindo dos tupinambás, seus contrários, que os apertaram por uma banda, e aos aimorés, que os ofendiam
por outra; pelo que se afastaram do mar, e, fugindo ao mau tratamento que lhes alguns homens brancos faziam, por serem pouco tementes a Deus. Pelo
que não vivem agora junto do mar mais que os cristãos de que já fizemos menção.
Com este gentio tiveram os primeiros povoadores das capitanias dos Ilhéus e Porto Seguro e os do Espírito Santo, nos primeiros anos, grandes
guerras e trabalhos, de quem receberam muitos danos; mas, pelo tempo adiante, vieram a fazer pazes, que se cumpriram e guardaram bem de parte a
parte, e de então para agora foram os tupiniquins muito fiéis e verdadeiros aos portugueses.
Este gentio, e os tupinaés, descendem todos de um tronco, e não se têm por contrários verdadeiros, ainda que muitas vezes tivessem diferenças e
guerras, os quais tupinaés lhe ficavam nas cabeceiras, pela banda do sertão, com quem a maior parte dos tupiniquins agora estão misturados.
Este gentio é da mesma cor baça e estatura que o outro gentio de que falamos, o qual tem a linguagem, vida e costumes e gentilidades dos
tupinambás, ainda que são seus contrários, em cujo título se declarará mui particularmente tudo o que se pode alcançar. E ainda que são contrários
os tupiniquins dos tupinambás, não há entre eles na língua e costumes mais diferença da que têm os moradores de Lisboa dos da Beira; mas esse gentio
é mais doméstico e verdadeiro que todo outro da costa deste Estado.
É gente de grande trabalho e serviço, e sempre nas guerras ajudaram aos portugueses, contra os aimorés, tapuias e tamoios, como ainda hoje fazem
esses poucos que se deixaram ficar junto ao mar e das nossas povoações, com quem vizinham muito bem, os quais são grandes pescadores de linha,
caçadores e marinheiros, são valentes homens, caçam, pescam, cantam, bailam como os tupinambás e nas coisas de guerra são mui industriosos, e homens
para muito, de quem se faz muita conta a seu modo entre o gentio. |