Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 12 — Dos
mamíferos terrestres e anfíbios
Capítulo
CVII
Em que se declara que bicho é o que se chama preguiça.
Nestes matos se cria um animal mui estranho, a que os índios chamam aí, e os portugueses preguiça, nome certo mui acomodado a este animal,
pois não há fome, calma, frio, água, fogo, nem outro nenhum perigo que veja diante, que o faça mover uma hora mais que outra; o qual é felpudo como
cão d'água, e do mesmo tamanho; e tem a cor cinzenta, os braços e pernas grandes, com pouca carne, e muita lã; tem as unhas como cão e muito
voltadas; a cabeça como gato, mas coberta de gadelhas que lhe cobrem os olhos; os dentes como gato.
As fêmeas parem uma só criança, e trá-la, desde que a pare, ao pescoço dependurado pelas mãos, até que é criada e pode andar por si; e parem em
cima das árvores, de cujas folhas se mantêm, e não se descem nunca ao chão, nem bebem; e são estes animais tão vagarosos que posto um ao pé de uma
árvore, não chega ao meio dela desde pela manhã até as vésperas, ainda que esteja morta de fome e sinta ladrar os cães que a querem tomar; e andando
sempre, mas muda uma mão só muito devagar, e depois a outra, e faz espaço entre uma e outra, e da mesma maneira faz aos pés, e depois à cabeça; e
tem sempre a barriga chegada à árvore, sem se pôr nunca sobre os pés e mãos e se não faz vento, por nenhum caso se move do lugar onde está encolhida
até que o vento lhe chegue; os quais dão uns assobios, quando estão comendo de tarde em tarde, e não remetem nada, nem fazem resistência a quem quer
pegar deles, mais que pegarem-se com as unhas à árvore onde estão, com que fazem grande presa; e acontece muitas vezes tomarem os índios um destes
animais, e levarem-no para casa, onde o têm quinze e vinte dias, sem comer coisa alguma, até que de piedade o tornam a largar; cuja carne não comem
por terem nojo dela. |