Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 17 — Noticia
etnográfica do gentio tupinambá que povoava a Bahia
Capítulo
CLVI
Que trata da luxúria destes bárbaros.
São os tupinambás tão luxuriosos que não há pecado de luxúria que não cometam; os quais sendo de muito pouca idade têm conta com mulheres, e bem
mulheres; porque as velhas, já desestimadas dos que são homens, granjeiam estes meninos, fazendo-lhes mimos e regalos, e ensinam-lhes a fazer o que
eles não sabem, e não os deixam de dia, nem de noite.
É este gentio tão luxurioso que poucas vezes têm respeito às irmãs e tias, e porque este pecado é contra seus costumes, dormem com elas pelos
matos, e alguns com suas próprias filhas; e não se contentam com uma mulher, mas têm muitas, como já fica dito pelo que morrem muitos de esfalfados.
E em conversação não sabem falar senão nestas sujidades, que cometem cada hora; os quais são tão amigos da carne que se não contentam, para
seguirem seus apetites, com o membro genital como a natureza formou; mas há muitos que lhe costumam pôr o pêlo de um bicho tão peçonhento, que lho
faz logo inchar, com o que têm grandes dores, mais de seis meses, que se lhe vão gastando espaço de tempo; com o que se lhes faz o seu cano tão
disforme de grosso, que os não podem as mulheres esperar, nem sofrer; e não contentes estes selvagens de andarem tão encarniçados neste pecado,
naturalmente cometido, são muito afeiçoados ao pecado nefando, entre os quais se não têm por afronta; e o que se serve de macho, se tem por valente,
e contam esta bestialidade por proeza; e nas suas aldeias pelo sertão há alguns que têm tenda pública a quantos os querem como mulheres públicas.
Como os pais e as mães vêem os filhos com meneios para conhecer mulher, eles lhas buscam, e os ensinam como a saberão servir; as fêmeas muito
meninas esperam o macho, mormente as que vivem entre os portugueses. Os machos destes tupinambás não são ciosos; e ainda que achem outrem com as
mulheres, não matam a ninguém por isso, e quando muito espancam as mulheres pelo caso.
E as que querem bem aos maridos, pelos contentarem, buscam-lhes moças com que eles se desenfadem, as quais lhes levam à rede onde dormem, onde
lhes pedem muito que se queiram deitar com os maridos, e as peitam para isso; coisa que não faz nenhuma nação de gente, senão estes bárbaros. |