Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 18 —
Informações etnográficas acerca de outras nações vizinhas da Bahia, como tupinaés, aimorés, amoipiras, ubirajaras etc.
Capítulo
CLXXXIV
Que trata de quem são os tapuias, quem são os maracás.
Como os tapuias são tantos e estão tão divididos em bandos, costumes e linguagem, para se poder dizer deles muito, era necessário de propósito e
devagar tomar grandes informações de suas divisões, vida e costumes; mas, pois ao presente não é possível, trataremos de dizer dos que vizinham com
a Bahia, sobre quem se fundaram todas estas informações que neste caderno estão relatadas; começando logo que os mais chegados tapuias aos
povoadores da Bahia são uns que se chamam de alcunha os maracás, os quais são homens robustos e bem acondicionados, trazem o cabelo crescido até as
orelhas e copado, e as mulheres os cabelos compridos atados detrás, o qual gentio fala sempre de papo tremendo com a fala, e não se entende com
outro nenhum gentio que não seja tapuia.
Quando estes tapuias cantam, não pronunciam nada, por ser tudo garganteado, mas a seu modo; não entoados e prezam-se de grandes músicos, a quem o
outro gentio folga muito de ouvir cantar. São estes tapuias grandes flecheiros, assim para a caça como para seus contrários, e são muito ligeiros e
grandes corredores, e grandes homens de pelejarem em campo descoberto, mas pouco amigos de abalroar cercas; e quando dão em seus contrários, se se
eles recolhem em alguma cerca, não se detêm muito em os cercar, antes se recolhem logo para suas casas, as quais têm em aldeias ordenadas, como
costumam os tupinambás.
Estes tapuias não comem carne humana, e se tomam na guerra alguns contrários, não os matam; mas servem-se deles como de seus escravos, e por tais
os vendem agora aos portugueses que com eles tratam e comunicam.
São estes tapuias muito folgazões, e não trabalham nas roças, como os tupinambás, nem plantam mandioca, nem comem senão legumes, que lhes as
mulheres plantam, e granjeiam em terras sem mato grande, a que põem o fogo para fazerem suas sementeiras; os homens ocupam-se em caçar, a que são
muito afeiçoados.
Costuma este gentio não matar a ninguém dentro em suas casas, e se seus contrários, fugindo-lhes da briga, se acolhem a elas, não os hão de matar
dentro, nem fazer-lhes nenhum agravo, por mais irados que estejam; e esperam que saiam para fora, ou, se lhes passa a ira e aceitam-nos por
escravos, ao que são mais afeiçoados que a matá-los, como lhes fazem a eles.
São os tapuias contrários de todas as outras nações do gentio, por terem guerra com eles ao tempo que viviam junto do mar, de onde por força de
armas foram lançados; os quais são homens de grandes forças, andam nus, como o mais gentio, e não consentem em si mais cabelos que os da cabeça, e
trazem os beiços furados e pedras neles, como os tupinambás.
Estes tapuias são conquistados, pela banda do Rio de Seregipe, dos tupinambás que vivem por aquelas partes; e por outra parte os vêm saltear os
tupinaés, que vivem da banda do poente; e vigiam-se ordinariamente de uns e dos outros; e está povoado deste gentio por esta banda cinqüenta ou
sessenta léguas de terra; entre os quais há uma serra, onde há muito salitre e pedras verdes, de que eles fazem as que trazem metidas nos beiços por
bizarria. |