Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 11 — Da
entomologia brasílica
Capítulo
XCIII
Que trata dos mosquitos, grilos, besouros e brocas que há
na Bahia.
Digamos logo dos mosquitos, a que chamam nhitinga; e são muito pequenos e da feição das moscas; os quais não mordem, mas são muito
enfadonhos, porque se põem nos olhos, nos narizes; e não deixam dormir de dia no campo, se não faz vento. Estes são amigos de chagas, e chupam-lhe a
peçonha que têm; e se se vão pôr em qualquer coçadura de pessoa sã, deixam-lhe a peçonha nela, do que se vêm muitas pessoas a encher de boubas.
Estes mosquitos seguem sempre em bandos as índias, que andam nuas, mormente quando andam sujas do seu costume
[catamênio].
Marguis [maruins] são uns mosquitos que se criam ao longo do salgado, e outros na terra perto da água, e aparecem quando não há vento; e são tamanhos como um
pontinho de pena, os quais onde chegam são fogo de tamanha comichão e ardor que fazem perder a paciência, mormente quando as águas são vivas; e
crescem em partes despovoadas; e se lhes põem a mão, desfazem-se logo em pó.
Há outra casta, que se cria entre os mangues, a que os índios chamam inhatium, que tem as pernas compridas, e zunem de noite, e mordem a
quem anda onde os há, que é ao longo do mar; mas se faz vento não aparece nenhum.
Pium é outra casta de mosquitos tamanhos como pulgas grandes com asas; e em chegando estes à carne, logo sangram sem se sentir, e em lhes
tocando com a mão, se esborracham; os quais estão cheios de sangue; cuja mordedura causa muita comichão depois, e quer-se espremida do sangue por
não fazer guadelhão na carne. Há outra casta de mosquitos, a que os índios chamam nhatium-açu; estes são de pernas compridas, e mordem e
zunem pontualmente como os que há na Espanha, que entram nas casas onde há fogo; e de que todos são inimigos.
Também se cria na Bahia outra imundície, a que chamamos brocas, que são como pulgas, e voam sem lhe enxergarem as asas; as quais furam as pipas do
vinho e do vinagre, de maneira que fazem muita perda, se as não vigiam; e furam todas as pipas e barris vazios, salvo se tiveram azeite; e nas
terras povoadas de pouco fazem mui dano.
Há também grande cópia de grilos na Bahia, que se criam pelo mato e campos; que andam em bandos, como gafanhotos; e se criam também nas casas de
palha, enquanto são novas, nas quais se recolhem muitos entre a palma que vem do mato; os quais são muito daninhos, porque roem muito os vestidos a
que podem chegar; e metem-se muitas vezes nas caixas, onde fazem destruição no fato que acham no chão, o qual cortam de maneira que parece cortado a
tesoura; mas como as casas são defumadas recolhem-se todos para o mato; estes são grandes e pequenos e têm asinhas; e saltam como gafanhotos.
Também se criam nestas partes muitos besouros, a que os índios chamam unaúna; mas não fazem tão ruim feitio com as maçãs que fazem os da
Espanha; andam por lugares sujos, têm asas, e são negros; com a cabeça, pescoço e pernas muito resplandecentes, e tudo muito duro, mas são muito
maiores que os da Espanha; e têm dois cornos virados com as pontas uns para os outros; e parecem de azeviche. |