Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 9 — Das
árvores meãs com diferentes propriedades, dos cipós e folhas úteis
Capítulo
LXXV
Em que se apontam algumas árvores que dão frutos
silvestres que se não comem.
Nos matos se criam umas árvores de honesta grandura, a que os índios chamam comedoí, de cuja madeira se não faz conta. Esta árvore dá umas
bainhas como feijões, meio vermelhos e meio pretos mui duros, de finas cores, que é a semente de que as árvores nascem, os quais servem para tentos,
e são para isso mui estimados.
Araticurana é uma árvore do tamanho e feição do marmeleiro, as quais se criam nos alagadiços, onde se ajunta a água doce com a salgada,
cuja madeira é mole e lisa que se esfola toda em lhe puxando pela casca. Dão estas árvores um fruto tamanho como marmelos, lavrado pela casca, como
pinha, e muito liso, o qual arregoa como é maduro, e cheira muito bem. Este fruto comem os índios a medo, porque têm para si que quando os
caranguejos da terra fazem mal, que é por comerem este fruto naquele tempo.
Anhangá-quiabo quer dizer "pente do diabo"; é árvore de bom tamanho, cujo fruto são umas bainhas grandes; tem dentro de si uma coisa branca
e dura, afeiçoada como pente, de que os gentios se aproveitavam antes de comunicarem com os portugueses e se valerem dos seus pentes.
Cuieíba é uma árvore tamanha como nogueira, e tem a folha como nogueira, a qual se não cria em ruim terra, e dá umas flores brancas
grandes. Da madeira se não trata, porque as não cortam os índios, por estimarem muito o seu fruto, que é como melões, maiores e menores, de feição
redonda e comprida, a qual fruto não se dá entre as folhas, como as outras árvores, senão pelo tronco da árvore e pelos braços dela, cada um por si;
estando esta fruta na árvore, é da cor dos cabaços verdes, e como os colhem, cortam-nos pelo meio ao comprido, e lançam-lhe fora o miolo, que é como
o dos cabaços; e vão curando estas peças até se fazerem duas, dando-lhe por dentro uma tinta preta e por fora amarela, que se não tira nunca; ao que
os índios chamam cuias, que lhes servem de pratos, escudelas, púcaros, taças e de outras coisas.
Há outras árvores meãs, a que os índios chamam jatuaíba, cuja madeira é muito pesada, as quais cai a folha cada ano, e torna a rebentar de
novo. Esta árvore dá umas frutas brancas, do tamanho e feição de azeitonas cordovesas.
Pelo sertão se criam umas árvores a que os índios chamam beribebas, que dão um fruto do tamanho e feição de noz-moscada, o qual amaruja e
requeima como ela. |