Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 2 —
Descrição topográfica da Bahia
Capítulo XIV
Que trata de como se pode defender a Bahia com mais
facilidade.
Não parece despropósito dizer neste lugar, que tem el-rei nosso senhor obrigação de, com muita instância, mandar acudir ao desamparo em que esta
cidade está, mandando-a cercar de muros e fortificar, como convém ao seu serviço e segurança dos moradores dela; porque está arriscada a ser
saqueada de quantos corsários, que a forem cometer, por ser a gente espalhada por fora, e a da cidade não ter onde se possa defender, até que a
gente das fazendas e engenhos a possa vir socorrer.
Mas, enquanto não for cercada, não tem remédio mais fácil para se poder defender dos corsários que na baía entrarem, que pelo mar com quatro
galeotas que com pouca despesa se podem fazer, e estarem sempre armadas; à sombra das quais podem pelejar muitas barcas dos engenhos, e outros
barcos, em que se pode cavalgar artilharia, para poderem pelejar; e esta armada se pode favorecer com as naus do reino, que de contínuo estão no
porto oito e dez, e daqui para cima até quinze e vinte, que estão tomando carga de açúcar e algodão, nas quais se pode meter gente da terra a
defender, e alguma artilharia com que ofender aos contrários, os quais, se não levarem a cidade do primeiro encontro, não a entram depois, porque
pode ser socorrida por mar e por terra de muita gente portuguesa até a quantia de dois mil homens, de entre os quais podem sair dez mil escravos de
peleja a saber: quatro mil pretos da Guiné, e seis mil índios da terra, mui bons flecheiros, que juntos com a gente da cidade, se fará mui arrazoado
exército, com o qual corpo de gente, sendo bem caudilhada, se pode fazer muito dano a muitos homens de armas, que saírem em terras aonde se hão de
achar mui embaraçados e pelejados por entre o mato, que é mui cego, e ser-lhes-á forçado recolher-se com muita pressa, o que Deus não permita que
aconteça, pelo desapercebimento que esta cidade tem; do que sabem à certeza os ingleses, que a ela foram já, de onde podem tirar grande presa, da
maneira que agora, se a cometerem com qualquer armada, porque acharão no porto muitos navios carregados de açúcar e algodão, e muita soma dele
recolhido pelas terracenas que estão na praia dos mercadores, tanto das mercadorias como de muito dinheiro de contado, muitas peças de ouro e prata
e muitas alfaias de casa. |