Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 4 — Da
agricultura da Bahia
Capítulo
XLVI
Em que se apontam os legumes que se dão na Bahia.
Pois que até aqui tratamos dos mantimentos naturais da terra da Bahia, é bem que digamos dos legumes que se nela criam. E comecemos pelas favas,
que os índios chamam comendá, as quais são muito alvas, e do tamanho e maiores que as de Évora em Portugal; mas são delgadas e amassadas, como os
figos passados.
Há outras favas, meio brancas e meio pretas, mas são pequenas; e estas favas se plantam à mão na entrada do inverno, e como nascem põe-se ao pé de
cada um um pau, por onde trepam, como fazem em Portugal às ervilhas; e, se têm por onde trepar, fazem grande ramada; a folha é como a dos feijões da
Espanha, mas maior; a flor é branca; começam a dar a novidade no fim do inverno e dura mais de três meses.
Estas favas são, em verdes, mui saborosas, e cozem-se com as cerimônias que se costumam em Portugal, e são reimosas como as do Reino; e dão em
cada bainha quatro e cinco favas, e depois de secas se cozem muito bem, e não criam bichos, como as da Espanha, e são muito melhores de cozer; e de
uma maneira e de outra fazem muita vantagem no sabor às de Portugal, assim as declaradas como a outra casta de favas, que são brancas e pintadas de
pontos negros.
Dão-se nesta terra infinidade de feijões naturais dela, uns são brancos, outros pretos, outros vermelhos, e outros pintados de branco e preto, os
quais se plantam a mão, e como nascem põe-se-lhe a cada pé um pau, por onde trepam, como se faz às ervilhas, e sobem de maneira para cima que fazem
deles latadas nos quintais, e cada pé dá infinidade de feijões, os quais são da mesma feição que os da Espanha, mas têm mais compridas bainhas, e a
folha e flor como as ervilhas; cozem-se estes feijões sendo secos, como em Portugal, e são mui saborosos, e enquanto são verdes cozem-se com a casca
como fazem às ervilhas, e são mui desenfastiados.
Chamam os índios jerimus às abóboras-da-quaresma, que são naturais desta terra, das quais há dez ou doze castas, cada uma de sua feição; e
plantam-se duas vezes no ano, em terra úmida e solta, as quais se estendem muito pelo chão, e dá cada aboboreira muita soma; mas não são tamanhas
como as da casta de Portugal. Costuma o gentio cozer e assar estas abóboras inteiras por lhe não entrar água dentro, e depois de cozidas as cortam
como melões, e lhes deitam as pevides fora, e são assim mais saborosas que cozidas em talhadas, e curam-se no fumo para durarem todo o ano.
As que em Portugal chamamos cabaços, chama o gentio pela sua língua geremuiê, das quais têm entre si muitas castas de diferentes feições, tirando
as abóboras compridas, de que dissemos atrás.
Essas abóboras ou cabaços semeia o gentio para fazer delas vasilhas para seu uso, as quais não costuma comer, mas deixam-nas estar nas aboboreiras
até se fazerem duras, e como estão de vez, curam-nas no fumo, de que fazem depois vasilhas para acarretarem água, por outras pequenas bebem, outras
meias levam às costas cheias de água quando caminham; e há alguns destes cabaços tamanhos que levam dois almudes e mais, nos quais guardam as
sementes que hão de plantar; e costumam também cortar esses cabaços em verdes, como estão duros, pelo meio, e depois de curadas estas metades
servem-lhes de gamelas, e outros despejos, e as metades dos pequenos servem-lhes de escudelas, e dão-lhes por dentro uma tinta preta, por fora outra
amarela, que se não tira nunca; e estas são as suas porcelanas. |