Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 18 —
Informações etnográficas acerca de outras nações vizinhas da Bahia, como tupinaés, aimorés, amoipiras, ubirajaras etc.
Capítulo
CLXXXII
Que trata brevemente da vivenda dos ubirajaras e seus
costumes.
Pelo sertão da Bahia, além do Rio de S. Francisco, partindo com os amoipiras da outra banda do sertão, vive uma certa nação de gente bárbara, a
que chamam ubirajaras, que quer dizer "senhores dos paus", os quais se não entendem na linguagem com outra nenhuma nação do gentio; têm contínua
guerra com os amoipiras, e cativam-se, matam-se e comem-se uns aos outros, sem nenhuma piedade.
Estes ubirajaras não viram nunca gente branca, nem têm notícia dela, e é gente muito bárbara, da estatura e cor do outro gentio, e trazem os
cabelos muito compridos assim os machos como as fêmeas, e não consentem em seu corpo nenhuns cabelos que, em lhes nascendo, não arranquem.
Fazem estes ubirajaras suas lavouras, como fica dito dos amoipiras, e pescam nos rios com os mesmos espinhos, e com outras armadilhas, que fazem
com ervas; e matam muita caça com certas armadilhas que fazem, em que lhes facilmente cai.
A peleja dos ubirajaras é a mais notável do mundo, como fica dito, porque a fazem com uns paus tostados muito agudos, de comprimento de três
palmos, pouco mais ou menos cada um, e são agudos de ambas as pontas, com os quais atiram a seus contrários como com punhais; e são tão certos com
eles que não erram tiro, com o que têm grande chegada; e desta maneira matam também a caça, que, se lhes espera o tiro, não lhes escapa, os quais
com estas armas se defendem de seus contrários tão valorosamente como seus vizinhos com arcos e flechas; e quando vão à guerra, leva cada um seu
feixe destes paus com que peleja, e com estas armas são muito temidos dos amoipiras, com os quais têm sempre guerra por uma banda, e pela outra com
umas mulheres, que dizem ter uma só teta, que pelejam com arco e flecha, e se governam e regem sem maridos, como se diz das amazonas; dos quais não
podemos alcançar mais informações, nem da vida e costumes destas mulheres.
Começa a vida e costumes dos tapuias.
Como a tenção com que nos ocupamos nestas lembranças foi para mostrar bem o muito que há que dizer da Bahia de Todos os Santos, cabeça do Estado
do Brasil, é necessário que não fique por declarar a vida e costumes dos tapuias, primeiros possuidores desta província da Bahia, de quem começamos
a dizer o que se pode alcançar deles, começando no capítulo que se segue. |