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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM 1587 - BIBLIOTECA NM
1587 - Notícia do Brasil - [II - 54]

Clique na imagem para voltar ao índice desta obraEscrita em 1587 pelo colono Gabriel Soares de Souza, essa obra chegou ao eminente historiador Francisco Adolpho de Varnhagen por cópias que confrontou em 1851, para tentar restabelecer o texto original desaparecido, como cita na introdução de seus estudos e comentários. Em 1974, foi editada com o mesmo nome original, Notícia do Brasil, com extensas notas de importantes pesquisadores. Mais recentemente, o site Domínio Público apresentou uma versão da obra, com algumas falhas de digitalização e reconhecimento ótico de caracteres (OCR).

Por isso, Novo Milênio fez um cotejo daquela versão digital com a de 1974 e com o exemplar cedido em maio de 2010 para digitalização, pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá. Este exemplar corresponde à terceira edição (Companhia Editora Nacional, 1938, volume 117 da série 5ª da Brasiliana - Biblioteca Pedagógica Brasileira), com os comentários de Varnhagen. Foi feita ainda alguma atualização ortográfica:

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Tratado descritivo do Brasil em 1587

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Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa

SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS GRANDEZAS DA BAHIA

TÍTULO 5 — Das árvores e plantas indígenas que dão fruto que se come

Capítulo LIV

Em que se diz de algumas árvores de fruto afastadas do mar.

Afastado do mar da Bahia, e perto dele, se dão umas árvores que chamam sapucaia, que são mui grandes, de cujo fruto tratamos aqui somente. Esta árvore toma tanta flor amarela, que se lhe não enxerga a folha ao longe, a qual flor é muito formosa, mas não tem nenhum cheiro.

Nasce desta flor uma bola de pau tão dura como ferro, que está por dentro cheia de fruto. Terá esta bola uma polegada de grosso, e tem a boca tapada com uma tapadoura tão justa que se não enxerga a junta dela, a qual se não despega senão como a fruta que está dentro e de vez, que esta bola cai no chão, a qual tem por dentro dez ou doze repartimentos, e em cada um uma fruta tamanha como uma castanha de Espanha, ou mais comprida; as quais castanhas são muito alvas e saborosas, assim assadas como cruas; e despegadas estas bolas das castanhas e bem limpas por dentro, servem de grais ao gentio, onde pisam o sal e a pimenta.

Piquiá é uma árvore de honesta grandura, tem a madeira amarela e boa de lavrar, a qual dá um fruto tamanho como marmelos que têm o nome da árvore; este fruto tem a casca dura e grossa como cabaço, de cor parda por fora, e por dentro é todo cheio de um mel branco muito doce; e tem misturado umas pevides como de maçãs, o qual mel se lhe come em sorvos, e refresca muito no verão.

Macugê é uma árvore comprida, delgada e muito quebradiça e dá-se em areias junto dos rios, perto do salgado, e pela terra dentro dez ou doze léguas. Quando cortam esta árvore, lança de si um leite muito alvo e pegajoso, que lhe corre em fio; a qual dá umas frutas do mesmo nome, redondas, com os pés compridos e cor verdoenga, e são tamanhas como maçãs pequenas; e quando são verdes travam muito, e são todas cheias de leite. Colhem-se inchadas para amadurecerem em casa, e como são maduras tomam a cor almecegada; comem-se todas como figos, cujo sabor é mui suave, e tal que lhe não ganha nenhuma fruta da Espanha, nem de outra parte; e tem muito bom cheiro.

Jenipapo é uma árvore que se dá ao longo do mar e pelo sertão, cujo fruto aqui tratamos somente. A sua folha é como de castanheiro, a flor é branca, da qual lhe nasce muita fruta, de que toma cada ano muita quantidade; as quais são tamanhas como limas, e da sua feição; são de cor verdoenga, e como são maduras se fazem de cor pardaça e moles, e têm honesto sabor e muito que comer, com algumas pevides dentro, de que estas árvores nascem.

Quando esta fruta é pequena, faz-se dela conserva, e como é grande, antes de amadurecer, tinge o sumo dela muito, com a qual tinta se tinge toda a nação do gentio em lavores pelo corpo e quando põe esta tinta é branca como água, e como se enxuga se faz preta como azeviche; e quanto mais a lavam, mas preta se faz; e dura nove dias, no cabo dos quais se vai tirando. Tem virtude esta tinta para fazer secar as bostelas das boubas aos índios, e a quem se cura com ela.

Pela terra adentro há outra árvore, a que chamam guti, que é de honesta grandura; dá uma fruta do mesmo nome, do tamanho e cor das pêras pardas, cuja casca se lhe apara; mas tem grande caroço, e o que se lhe come se tira em talhadas, como às pêras, e é muito saboroso; e lançadas essas talhadas em vinho não têm preço. Faz-se desta fruta marmelada muito gostosa, a qual tem grande virtude para estancar câmaras de sangue.

Nas campinas há outra árvore, a que chamam ubucaba, cuja madeira é mole, e dá umas frutas pretas e miúdas como murtinhos, que se comem, e têm sabor mui sofrível.

Mondururu é outra árvore que dá umas frutas pretas, tamanhas como avelãs, que se comem todas, lançando-lhes fora umas pevides brancas que tem, a qual fruta é muito saborosa.

Há outra árvore como laranjeira, que se chama comichã, a qual carrega todos os anos de umas frutas vermelhas, tamanhas e de feição de murtinhos, que se comem todas lançando-lhes fora uma pevide preta que têm, que é a semente destas árvores, a qual fruta é muito gostosa.

Mandiba é uma árvore grande que dá fruto do mesmo nome tamanho como cerejas, de cor vermelha, e muito doce; come-se como sorva, lançando-lhe o caroço fora e uma pevide que tem dentro, que é a sua semente.

Cambuí é uma árvore delgada de cuja madeira se não usa, a qual dá flor branca, e o fruto amarelo do mesmo nome; do tamanho, feição e cor das maçãs de anáfega [jujuba, açofeifa]. Esta fruta é mui saborosa, e tem ponta de azedo; lança-se-lhe fora um carocinho que tem dentro como coentro.

Dá-se no mato perto do mar e afastado dele uma fruta que se chama curuanha, cuja árvore é como vides, e trepa por outra árvore qualquer, a qual tem pouca folha; o fruto que dá é de uns oito dedos de comprido e de três a quatro de largo, de feição da fava, o qual se parte pelo meio como fava e fica em duas metades, que têm dentro três e quatro caroços, da feição das colas de Guiné, da mesma cor e sabor, os quais caroços têm virtude para o fígado.

Estas metades têm a casquinha muito delgada como maçãs, e o mais que se come é da grossura de uma casca de laranja; tem extremado sabor; comendo-se esta fruta crua, sabe e cheira a camoesas, e assada tem o mesmo sabor delas assadas; faz-se desta fruta marmelada muito boa, a qual por sua natureza envolta no açúcar cheira a almíscar, e tem o sabor de perada almiscarada; e quem a não conhece entende e afirma que é perada.

Os araçazeiros são outras árvores que pela maior parte se dão em terra fraca na vizinhança do mar, as quais são como macieiras na grandura, na cor da casca, no cheiro da folha e na cor e feição dela.

A flor é branca, da feição da de murta, e cheira muito bem. Ao fruto chamam araçás, que são da feição das nêsperas, mas alguns muito maiores. Quando são verdes têm a cor verde, e como são maduros têm a cor das peras; têm o olho como nêsperas, e por dentro caroços como elas, mas muito mais pequenos. Esta fruta se come toda, e tem ponta de azedo mui saboroso, da qual se faz marmelada, que é muito boa e melhor para doentes de câmaras.

Perto do salgado há outra casta de araçazeiros, cujas árvores são grandes, e o fruto como laranja, mas mui saboroso, ao qual aparam a casca por ser muito grossa.

Araticu é uma árvore do tamanho de uma amoreira, cuja folha é muito verde escura, da feição da laranjeira mas maior; a casca da árvore é como de loureiro, a madeira é muito mole, a flor é fresca, grossa e pouco vistosa, mas o fruto é tamanho como uma pinha,  em verde é lavrado como pinha, mas o lavor é liso e branco. Como este fruto é maduro, arregoa todo pelos lavores que ficam então brancos, e o pomo é muito mole e cheira muito bem, e tamanho é o seu cheiro que, estando em cima da árvore, se conhece debaixo que está maduro pelo cheiro.

Este fruto por natureza é frio e sadio; para se comer corta-se em quartos, lançando-lhe fora umas pevides que tem, amarelas e compridas, como de cabaços, das quais nascem estas árvores; e aparam-lhe a casca de fora que é muito delgada, e tudo mais se come, que tem muito bom sabor com ponta de azedo, a qual fruta é para a calma muito desenfastiada.

Pino é uma árvore comprida, delgada, esfarrapada da folha, a qual é do tamanho e feição da folha da parra. O seu fruto nasce em ouriço cheio de espinhos como os das castanhas, e tirado este ouriço fora fica uma coisa do tamanho de uma noz, e da mesma cor, feição e dureza, o qual lhe quebram, e tiram-lhe de dentro dez ou doze pevides do tamanho de amêndoas, e fica-lhe o miolo alvíssimo, que tem o sabor como as amêndoas; de que se fazem todas as frutas docs que se costumam fazer das amêndoas, os quais pinos, lançados em água fria, incham e ficam muito desenfastiados para comer, e são bons para dor de cabeça, de que se fazem amendoados. Dão-se estas árvores em ladeira sobre o mar e à vista dele, em terras dependuradas.

Abajeru é uma árvore baixa como carrasco, natural donde lhe chegue o rocio do mar, pelo que se não dão estas árvores senão ao longo das praias, cuja folha é áspera, e dá uma flor branca e pequena. O fruto é do mesmo nome  da feição e tamanho das ameixas de cá, e de cor roxa; come-se como ameixas, mas tem maior caroço; o sabor é doce e saboroso.

Amaitim é uma árvore muito direita, comprida e delgada; tem a folha como figueira, dá uns cachos maiores que os das uvas ferrais; tem os bagos redondos, tamanhos como os das uvas mouriscas, e muito esfarrapados, cuja cor é roxa, cobertos de um pelo tão macio como veludo; metem-se estes bagos na boca e tiram-lhe fora um caroço como de cereja, e a pele que tem o pelo, entre a qual e o caroço tem um doce mui saboroso como o sumo das boas uvas.

Apé é uma árvores do tamanho e feição das oliveiras, mas tem a madeira áspera e espinhosa como romeira, a folha é da feição de pessegueiro e da mesma cor. Esta árvore dá um fruto do mesmo nom, da feição das amoras, mas nunca são pretas, e tem a cor brancacenta; come-se como as amoras; tem bom sabor, com ponta de azedo, mui apetitoso para quem tem fastio; as quais árvores se dão ao longo do mar e à vista dele.

Murici é uma árvore pequena, muito seca da casca e da folha, cuja madeira não serve para nada; dá umas frutas amarelas, mais pequenas que cerejas, que nascem em pinhas como elas, com os pés compridos; a qual fruta é mole e come-se toda; cheira e sabe a queijo do Alentejo que requeima. Estas árvores se dão nas campinas perto do mar em terras fracas.

Cupiúba é uma árvore da feição do loureiro, assim na cor da casca do tronco como na folha, a qual carrega por todos os ramos de uma fruta preta do mesmo nome, maior que murtinhos, e toma tantos ordinariamente que negrejam ao longe. Esta fruta se como como uvas, e tem o sabor delas quando as vindima, que estão muito maduras, e têm uma pevide preta que se lhe lança fora. Dão-se estas árvores ao longo do mar e dos rios por onde entra a maré.

Maçarandiba é uma árvore real de cuja madeira se dirá ao diante. Só lhe cabe aqui dizer do seu fruto, que é da cor dos medronhos e do seu tamanho, cuja casca é tesa e tem duas pevides dentro, que se lhe lançam fora com a casca; o mais se lhe come, que é doce e muito saboroso; e quem come muita desta fruta que se chama como a árvore, pegam-se-lhe os bigodes com o sumo dela, que é muito doce e pegajoso; e para os índios lhe colherem esta fruta cortam as árvores pelo pé como fazem a todas que são altas. Estas se dão ao longo do mar ou à vista dele.

Mucuri é uma árvore grande que se dá perto do mar, a qual dá umas frutas amarelas, tamanhas como abricós, que cheiram muito bem, e têm grande caroço; o que se lhe come é de maravilhoso sabor, e aparam-lhe a casca de fora. [N.E.: este trecho destacado em verde aparece como parte do capítulo LII em algumas edições da obra. Na de 1938, aqui usada como base de transcrição, integra o capítulo LIV].

Cambucá é outra árvore de honesta grandura, que dá umas frutas amarelas do mesmo nome, tamanhas como abricoques, mas têm maior caroço e pouco que comer; é muito doce e de honesto sabor.