Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
PRIMEIRA PARTE - ROTEIRO GERAL DA COSTA BRASÍLICA
Capítulo XII
Em que se trata de como se tornou a cometer a povoação do
Rio da Paraíba.
Na baía de Todos os Santos soube o general Diogo Flores, vindo aí do estreito de Magalhães, com seis naus que lhe ficaram da armada que levou,
como os moradores de Pernambuco e Itamaracá pediam muito afincadamente ao governador Manuel Teles Barreto, que era então do Estado do Brasil, que os
fosse socorrer contra o gentio potiguar que os ia destruindo, com o favor e ajuda dos franceses, os quais tinham neste Rio da Paraíba quatro navios
para carregar de pau de tinta; e, posto este negócio em conselho, se assentou que o governador, naquela conjunção, não era bem que saísse da Bahia,
pois não havia mais de seis meses que era a ela chegado, onde tinha por prover em grandes negócios convenientes ao serviço de Deus e de el-rei e do
bem comum, mas que, pois naquele porto estava o general Diogo Flores, com aquela armada, e Diogo Vaz da Veiga com duas naus portuguesas da armada em
que do Reino fora o governador, das quais vinha por capitão para o Reino, que um capitão e outro fossem fazer este socorro, indo por cabeça
principal o capitão Diogo Flores de Baldez, o qual chegou a Pernambuco com a armada toda junta, com que veio o ouvidor geral Martim Leitão e o
provedor-mor Martim Carvalho para, em Pernambuco, a favorecerem com gente e mantimentos, como o fizeram, a qual gente foi por terra e o general por
mar com esta armada, com a qual ancorou fora da barra, e não entrou dentro com mais que com a sua fragata e uma nau das de Diogo Vaz da Veiga, de
que era capitão Pedro Correia de Lacerda, em a qual o mesmo Diogo Vaz ia, e com todos os batéis das outras naus.
Em os franceses vendo esta armada puseram fogo às suas naus e lançaram-se com o gentio, com o qual fizeram mostras de quererem impedir a
desembarcação, o que não lhes serviu de nada, que o general desembarcou a pé enxuto, sem lho poderem impedir, e chegou a gente de Pernambuco e
Itamaracá por terra com muitos escravos e todos juntos ordenaram um forte de terra e faxina onde se recolheram, no qual Diogo Flores deixou cento e
tantos homens dos seus soldados com um capitão para os caudilhar, que se chamava Francisco Castrejon que se amassou tão mal com Frutuoso Barbosa não
o querendo conhecer por governador, que foi forçado a deixá-lo neste forte, só, e ir-se para Pernambuco, de onde se queixou a Sua Majestade para que
provesse sobre o caso, como lhe parecesse mais seu serviço.
E sendo ausente Frutuoso Barbosa, veio o gentio por algumas vezes afrontar este forte e pô-lo em cerco, o qual sofreu mal o capitão Francisco
Castrejon, e, apertado dos trabalhos, desamparou este forte o largou aos contrários, passando-se por terra à capitania de Itamaracá, que é daí
dezoito léguas, e pelo caminho lhe matou o gentio alguma gente que lhe ficou atrás, como foram mulheres e outra gente fraca, mas, sabendo os
moradores de Pernambuco este destroço, se ajuntaram e tornaram a este Rio da Paraíba, com Frutuoso Barbosa e se tornaram a apoderar deste forte, o
qual Sua Majestade tem agora socorrido com gente, munições e mantimentos necessários, a quem se juntou uma aldeia do gentio tupinambá, que se
apartou dos potiguares, e se veio viver à borda da água, para ajudar a favorecer este forte.
Este Rio da Paraíba é mui necessário fortificar-se, uma por tirar esta ladroeira dos franceses dele, outra por se povoar, pois é a terra capaz
para isso, onde se podem fazer muitos engenhos de açúcar. E povoado este rio, como convém, ficam seguros os engenhos da capitania de Itamaracá e
alguns da de Pernambuco, que não lavram com temor dos potiguares, e outras se tornarão a reformar, que eles queimaram e destruíram. Dos quais
potiguares é bem que façamos este capítulo, que se segue, antes que saiamos do seu limite. |