Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 4 — Da
agricultura da Bahia
Capítulo XXXIX
Em que se declara quão terrível peçonha é a da água da
mandioca.
Antes de passarmos avante, convém que declaremos a natural estranheza da água da mandioca que ela de si deita quando a espremem depois de ralada,
porque é a mais terrível peçonha que há nas partes do Brasil, e quem quer que a bebe não escapa por mais contrapeçonha que lhe dêem; a qual é de
qualidade que as galinhas em lhe tocando com o bico, e levando uma só gota para baixo, caem todas da outra banda mortas, e o mesmo acontece aos
patos, perus, papagaios e a todas as aves, pois os porcos cabras, ovelhas, em bebendo o primeiro bocado dão três e quatro voltas em redondo e caem
mortos, cuja carne se faz logo negra e nojenta; o mesmo acontece a todo o gênero de alimária que a bebe; e por esta razão se espreme esta mandioca
por curtir em covas cobertas, e em outras partes, aonde não faça nojo às criações, e se estas alimárias comem a mesma mandioca por espremer,
engordam com ela e não lhes faz dano.
Tem esta água tal qualidade que, se metem nela uma espada ou cossolete, espingarda ou outra qualquer coisa cheia de ferrugem, lha come em vinte e
quatro horas, de maneira que ficam limpas como quando saem da mó, do que se aproveitam algumas pessoas para limparem algumas peças de armas da
ferrugem que na mó se não podem alimpar sem entrar pelo são.
Nos lugares onde se esta mandioca espreme, se criam na água dela uns bichos brancos como vermes grandes, que são peçonhentíssimos, com os quais
muitas índias mataram seus maridos e senhores, e matam a quem querem, do que também se aproveitavam, segundo dizem, algumas mulheres brancas contra
seus maridos; e basta lançar-se um destes bichos no comer para uma pessoa não escapar, sem lhe aproveitar alguma contrapeçonha, porque não mata com
tanta presteza como a água de que se criam, e não se sente este mal senão quando não tem remédio nenhum. |