Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 17 — Noticia
etnográfica do gentio tupinambá que povoava a Bahia
Capítulo
CLXXV
Que trata das cerimônias que os tupinambás fazem quando
morre algum, e como os enterram.
É costume entre os tupinambás que, quando morre qualquer deles, o levam a enterrar embrulhado na sua rede em que dormia, e o parente mais chegado
lhe há de fazer a cova; e quando o levam a enterrar vão-no acompanhando mulher, filhas e parentes, se as tem, as quais vão pranteando até a cova,
com os cabelos soltos sobre o rosto, estão-no pranteando até que fica bem coberto de terra; de onde se tornam para sua casa, onde a viúva chora o
marido por muitos dias; e se morrem as mulheres destes tupinambás, é costume que os maridos lhes façam a cova, e ajudem a levar às costas a defunta,
e se não tem já marido o irmão ou parente mais chegado lhe faz a cova.
E quando morre algum principal da aldeia em que vive, e depois de morto alguns dias, antes de o enterrarem fazem as cerimônias seguintes.
Primeiramente o untam com mel todo, e por cima do mel o empenam com penas de pássaros de cores, e põem-lhe uma carapuça de penas na cabeça e todos
os mais enfeites que eles costumam trazer nas suas festas; e têm-lhe feito na mesma casa e lanço onde ele vivia, uma cova muito funda e grande, com
sua estacada por derredor, para que tenha a terra que não caia sobre o defunto, e armam-lhe sua rede em baixo, de maneira que não toque o morto no
chão; na qual rede o metem assim enfeitado, e põem-lhe junto da rede seu arco e flechas, e a sua espada, e o maracá com que costumava tanger, e
fazem-lhe fogo ao longo da rede para se aquentar, e põem-lhe de comer num alguidar
[pote de barro], e água num cabaço, como galinha; e como esta matalotagem está feita, e lhe põem também sua cangoeira de fumo na mão, lançam-lhe muita soma de
madeira igual no andar da rede de maneira que não toque no corpo, e sobre esta madeira muita soma de terra, com ramas debaixo primeiro, para que não
caia terra sobre o defunto; sobre a qual sepultura vive a mulher, como dantes.
E quando morre algum moço, filho de algum principal, que não tem muita idade, metem-no em cócoras, atados os joelhos com a barriga, em um pote em
que ele caiba, e enterram o pote na mesma casa debaixo do chão, onde o filho e o pai, se é morto, são chorados muitos dias. |