Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
PRIMEIRA PARTE - ROTEIRO GERAL DA COSTA BRASÍLICA
Capítulo XXXIII
Em que se declara a costa do Rio dos Ilhéus até o Rio
Grande.
Para satisfazermos com o prometido convém que digamos que terra corre do Rio de São Jorge dos Ilhéus por diante, do qual, a duas léguas está o Rio
Corurupe. Deste rio a cinco léguas está outro rio, que se chama Patipe, e em nenhum deles podem entrar barcos, por não terem barra para isso, cuja
costa é de praia e limpa, e a terra por dentro baixa ao longo do mar. Deste rio ao Rio Grande são sete léguas, o qual está em quinze graus e meio, e
tem na boca três moitas de mato que do mar parecem ilhas, por onde é muito bom de conhecer.
Na ponta da barra da banda do Norte da parte de fora tem bom abrigo para ancorarem navios da costa, os quais entram neste Rio se querem; em cujo
canal na barra tem duas braças, depois uma e daí por diante três,quatro e cinco braças. Este rio se navega por ele acima em barcos oito ou dez
léguas; neste rio será uma povoação muito proveitosa por ser muito grande e ter grandes pescarias e muito marisco e caça, cuja terra é muito boa,
onde se darão todos os mantimentos que lhe plantarem; e corre-se a costa deste Rio Grande ao dos Ilhéus Norte-Sul.
Este rio vem de muito longe e traz sempre muita água e grande correnteza, pelo qual vieram abaixo alguns homens dos que foram à Serra das
Esmeraldas com Antônio Dias Adorno, os quais vieram em suas embarcações, a que chamam canoas, que são de um pau que tem a casca muito dura e o mais
muito mole, o qual cavacam com qualquer ferramenta, de maneira que lhe deitam todo o miolo fora, e fica somente a casca; e há destas árvores algumas
tamanhas que fazem delas canoas que levam de vinte pessoas para cima.
Sebastião Fernandes Tourinho, morador em Porto Seguro, com certos companheiros entrou pelo sertão, onde andou alguns meses à ventura, sem saber
por onde caminhava, e meteu-se tanto pela terra adentro, que se achou em direito do Rio de Janeiro, o que souberam pela altura do sol, que este
Sebastião Fernandes sabia muito bem tomar, e por conhecerem a Serra dos Órgãos, que cai sobre o Rio de Janeiro; e chegando ao campo grande acharam
alagoas e riachos que se metiam neste Rio Grande; e indo com rosto ao Noroeste, deram em algumas serras de pedras, por onde caminharam obra de
trinta léguas, e tornando a Leste alguns dias deram em uma aldeia de tupiniquins. junto de um rio, que se chama Raso-Aguípe; e foram por ele abaixo
com o rosto ao Norte vinte e oito dias em canoas, nas quais andaram oitenta léguas.
Este rio tem grande correnteza, e entram nele dois rios, um da banda do Leste, e outro da banda do Oeste, com os quais se vem meter este Rio
Raso-Aguípe no Rio Grande. E depois que entraram nele navegaram nas suas canoas por ele abaixo vinte e quatro dias, nos quais chegaram ao mar, vindo
sempre com a proa ao Oeste.
E fazendo esta gente sua viagem, achou no sertão deste rio no mais largo dele, que será em meio caminho do mar, vinte ilhas afastadas umas das
outras uma légua, duas e três e mais; e acharam quarenta léguas de barra, pouco mais ou menos um sumidouro, que vai por baixo da terra mais de uma
légua, quando é no verão, que no inverno traz tanta água que alaga tudo. Do sumidouro para cima tem este rio grande fundo, e a partes tem poços, que
têm seis e sete braças, por onde se pode navegar em grandes embarcações; quase toda a terra de longo dele é muito boa. |