Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 15 — Dos
mamíferos marinhos e dos peixes do mar, camarões etc.
Capítulo
CXXV
Que trata das baleias que se entram no mar da Bahia.
Entendo que cabe a este primeiro capítulo dizermos das baleias que entram na Bahia (como do maior peixe do mar dela), a que os índios chamam
pirapuã; das quais entram na Bahia muitas no mês de maio, que é o primeiro do inverno naquelas partes, onde andam até o fim de dezembro que se
vão; e neste tempo de inverno, que reina até o mês de agosto, parem as fêmeas abrigadas da terra da Bahia pela tormenta que faz no mar largo, e
trazem aqui os filhos, depois que parem, três e quatro meses, que eles têm disposição para seguirem as mães pelo mar largo; e neste tempo tornam as
fêmeas a emprenhar, na qual obra fazem grandes estrondos no mar.
E enquanto as baleias andam na Bahia, foge o peixe do meio dela para os baixos e recôncavos onde elas não podem andar, as quais às vezes pelo irem
seguindo dão em seco, como aconteceu no Rio de Pirajá o ano de 1580, que ficaram neste rio duas em seco, macho e fêmea, as quais foi ver quem quis;
e eu mandei medir a fêmea, que estava inteira, e tinha do rabo até a cabeça setenta e três palmos de comprido, e dezessete de alto, fora o que tinha
metido pela vasa, em que estava assentada; o macho era sem comparação maior, o que se não pôde medir, por a este tempo estar já despido da carne,
que lhe tinham levado para azeite; a fêmea tinha a boca tamanha que vi estar um negro metido entre um queixo e outro, cortando com um machado no
beiço de baixo com ambas as mãos, sem tocar no beiço de cima; e a borda do beiço era tão grossa como um barril de seis almudes; e o beiço de baixo
saía para fora mais que o de cima, tanto que se podia arrumar de cada banda dele um quarto de meação; a qual baleia estava prenhe, e tiraram-lhe de
dentro um filho tamanho como um barco de trinta palmos de quilha; e se fez em ambas de duas tanto azeite que fartaram a terra dele dois anos.
Quando estas baleias andam na Bahia acompanham-se em bandos de dez, doze juntas, e fazem grande temor aos que navegam por ela em barcos, porque
andam urrando, e em saltos, lançando a água mui alta para cima; e já aconteceu por vezes espedaçarem barcos, em que deram com o rabo, e matarem a
gente deles. |