Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
PRIMEIRA PARTE - ROTEIRO GERAL DA COSTA BRASÍLICA
Capítulo XVI
Do tamanho da vila de Olinda e da grandeza de seu termo,
quem foi o primeiro povoador dela.
A vila de Olinda é a cabeça da capitania de Pernambuco, a qual povoou Duarte Coelho, que foi um fidalgo, de cujo esforço e cavalaria escusaremos
tratar aqui em particular, por não escurecer muito que dele dizem os livros da Índia, de cujos feitos estão cheios.
Depois que Duarte Coelho veio da Índia a Portugal, a buscar satisfação de seus serviços, pediu a S. A. que lhe fizesse mercê de uma capitania
nesta costa, que logo lhe concedeu, abalizando-lha da boca do Rio de São Francisco da banda do Noroeste e correndo dela pela costa cinqüenta léguas
contra Itamaracá que se acabam no Rio de Igaruçu, como já fica dito; e como a este valoroso capitão sobravam sempre espíritos para cometer grandes
feitos, não lhe faltaram para vir em pessoa povoar e conquistar esta sua capitania, onde veio com uma frota de navios que armou à sua custa, na qual
trouxe sua mulher e filhos e muitos parentes de ambos, e outros moradores com a qual tomou este porto que se diz de Pernambuco por uma pedra que
junto dele está furada no mar, que quer dizer pela língua do gentio mar furado.
Chegando Duarte Coelho a este porto desembarcou nele e fortificou-se, onde agora está a vila em um alto livre de padrastos, da melhor maneira que
foi possível, onde fez uma torre de pedra e cal, que ainda agora está na praça da vila, onde muitos anos teve grandes trabalhos de guerra com o
gentio e franceses que em sua companhia andavam, dos quais foi cercado muitas vezes, mal-ferido e mui apertado, onde lhe mataram muita gente; mas
ele, com a constância de seu esforço, não desistiu nunca da sua pretensão, e não tão-somente se defendeu valorosamente, mas ofendeu e resistiu aos
inimigos, de maneira que os fez afastar da povoação e despejar as terras vizinhas aos moradores delas, onde depois seu filho, do mesmo nome, lhe fez
guerra, maltratando e cativando neste gentio, que é o que se chama caeté, que o fez despejar a costa toda, como esta o é hoje em dia, e afastar mais
de cinqüenta léguas pelo sertão.
Nestes trabalhos gastou Duarte, o velho, muitos mil cruzados, que adquiriu na Índia, a qual despesa foi bem empregada, pois dela resultou ter hoje
seu filho Jorge de Albuquerque Coelho dez mil cruzados de renda, que tanto lhe importa a sua redízima e dízima do pescado e os foros que lhe pagam
os engenhos, dos quais estão feitos em Pernambuco cinqüenta, que fazem tanto açúcar que estão os dízimos dele arrendados em dezenove mil cruzados
cada ano.
Esta vila de Olinda terá setecentos vizinhos, pouco mais ou menos, mas tem muitos mais no seu termo, porque em cada um destes engenhos vivem vinte
e trinta vizinhos, fora os que vivem nas roças, afastados deles, que é muita gente; de maneira que, quando for necessário ajuntar-se a esta gente
com armas, por-se-ão em campo mais de três mil homens de peleja com os moradores da vila de Cosmos, entre os quais haverá quatrocentos homens de
cavalo. Esta gente pode trazer de suas fazendas quatro ou cinco mil escravos da Guiné e muitos do gentio da terra.
É tão poderosa esta capitania que há nela mais de cem homens que têm de mil até cinco mil cruzados de renda, e alguns de oito, dez mil cruzados.
Desta terra saíram muitos homens ricos para estes reinos que foram a ela muito pobres, com os quais entram cada ano desta capitania quarenta e
cinqüenta navios carregados de açúcar e pau-brasil, o qual é o mais fino que se acha em toda a costa; e importa tanto este pau a Sua Majestade que o
tem agora novamente arrendado por tempo de dez anos por vinte mil cruzados cada ano.
E parece que será tão rica e tão poderosa, de onde saem tantos provimentos para estes reinos, que se devia de ter mais em conta a fortificação
dela, e não consentir que esteja arriscada a um corsário a saquear e destruir, o que se pode atalhar com pouca despesa e menos trabalho. |